sexta-feira, 30 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (29)]


Camilo, conforme se leu nos dois “posts” anteriores [23/06 e 28/06/2017], rompeu, unilateral e subitamente, o que havia pactuado com José Barbosa e Silva (JBS): ser o redator presencial d’A Aurora do Lima.
As relações entre ambos parece não terem sido afetadas: por um lado, o Escritor não só continuou a publicar no jornal, como aumentou e diversificou a sua colaboração; por outro, JBS deve ter manifestado, na resposta que, em 14 de setembro, deu à carta de 11, compreensão pela decisão do amigo. Aliás, o rompimento das relações com o então já célebre romancista e experiente jornalista não lhe traria benefícios, tanto para si como, sobretudo, para o Aurora.
Cerca de oito dias depois, Camilo retoma a correspondência. Escreve a JBS uma carta, que Alexandre Cabral data de 23/09/56, baseado no «carimbo dos correios» portuenses, visto no autógrafo, onde também leu: «tem a indicação de “R[esposta] em Out[ubro] 6”. Viana”.» [CABRAL, 1984 (I): 120-121].
Desta interessante carta, o excerto (quase toda a missiva) seguinte constitui, neste “post”, a referência

12.ª)
Já deves possuir três cartas, ou três estopadas de tiras magras, como o seu autor. Animou-me o teu aplauso, e continuarei a ser muito regular, não faltando com 2 correspondências, dois artigos, e alguma poesia própria de folhetim. Escusas, pois, de fazer economias de tiras. Como continuam cartas do Novais, algum ligeiro trabalho, mas indispensável, de tua lavra, encherá a folha de modo que não fatigue. Eu hei-de mandar-te correspondências que farão bulha no Porto, e o jornal será procurado[*]. A próxima que receberes será uma dessas. Dou uma ensaboadela decente, e reservada no visconde de Vila Nova da Rainha, insigne pulha. Vi hoje na Aurora um artigo que coincide com o que deves hoje receber. A matéria não perde com a repetição. Podes porém fazê-lo preceder das seguintes ou equivalentes linhas:
«Não achamos sobeja censura a que nos é provocada pelos indecorosos trâmites com que se procura subjugar o espírito público no mais sagrado dos direitos do povo: a opção dos seus representantes! A circular do arcipreste de Guimarães será o incentivo dalgumas linhas que devem adicionar-se ao nosso artigo de sábado 20 de Setembro.»[**]
Quando o jornal aumentar, aumentarei o trabalho, e crê que não haverá outro que me faça esquecer este.
A respeito de paga, não digo nada. O que quiserem. Lamento não estar nas circunstâncias de me ofender com a tua pergunta.[***]
D. Isabel, que estava para recolher ao Convento, resolveu ir para Lessa. Minha filha está boa. Eu recolho ao Porto em princípio de Outubro. Estou farto disto, e dou-me mal com o nitro do mar. [****]
{CABRAL, 1984 (I): 120. Respeitada grafia da edição consultada.
Não transcrita em BARBOSA. [1919].}

[*] Como se verá, quando tratar os textos que Camilo publicou no Aurora, é a partir da segunda quinzena de setembro de 56 que a sua colaboração, neste jornal, se torna mais frequente e regular.
[**] Informa Alexandre Cabral que esta nota enviada por Camilo precede, de facto, «o artigo que Camilo enviara, a dar “uma ensaboadela decente, e reservada no Visconde de Vila Nova da Rainha, insigne pulha.”» O referido artigo saiu, «sem assinatura, n’A Aurora do Lima do dia 25/IX/1856 (n.º 116).» Esta análise comparativa contribui também para Cabral datar esta carta de 23 de setembro.
O «insigne pulha» - esclarece Cabral - de que o Escritor fala não é o «visconde de Vila Nova da Rainha», mas sim, «sem sombra dúvida, do Visconde de S. Paio (Gaspar de Azevedo de Araújo e Gama), que era efectivamente o contestado governador civil de Viana e a Aurora do Lima atacava sem folgas.» [CABRAL, 1984 (I): 121] Sobre este visconde, ver também “post” publicado em 11/06/2017.
[***] Trabalho de jornalista, cronista, poeta e romancista pago, evidentemente. Mas depois da quebra do compromisso acordado, está condescendente: o que quiserem. A escrita era o modo de vida de Camilo, a sua fonte única de rendimentos.
[****] D. Isabel Cândida Vaz Mourão, em vez de regressar ao convento portuense de S. Bento da Avé Maria, foi a banhos para Lessa, diz Camilo. As suas relações íntimas com esta freira devem ter sofrido um rude golpe com a cena contada na carta anterior e de que resultou, então, a não vinda do Escritor para Viana e para o Aurora. Camilo continua a banhos na Foz. Mas farto disto.

E depois? Que novidades nos trarão as próximas cartas de Camilo, sobre as suas relações com JBS e o Aurora do Lima?

Até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo. Por exemplo, A Doida do Candal (1867). Estejam atentos que, aqui e ali, o Escritor troca os nomes de personagens ou atribui-lhes estados diferentes.

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (28)]


Já lá vão alguns dias sobre a publicação do “post” anterior. Será recomendável, por isso, fazer-lhe uma visita. Caso, evidentemente, julgue necessário. Lembro que, nele, (re)transcrevo, na íntegra, uma longa e interessantíssima carta de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS), datável de 11 de setembro de 1856. Carta que, depois da habitual saudação/tratamento de abertura, arranca assim, retoricamente perguntando:

Causa-te espanto uma carta minha depois de outra que ontem receberias?

É provável que o amigo destinatário tenha sentido, de facto, espanto. Mas não tanto pela receção, no mesmo dia ou dias seguidos, de duas cartas do Escritor. Nem mesmo pela cena, emocionalmente vivida com D. Isabel Cândida, a freira, sua amante, agravada por ter acontecido na presença da inocente Bernardina Amélia, sua (dele) filha natural.
A meu ler, o motivo principal do presumido espanto de JBS seria outro, bem outro. Como, possivelmente, será de cada um de nós, face às espectativas de bom sucesso da sua vinda, em breve, para Viana, perante o conteúdo das cartas anteriores. Camilo, não obstante, de um dia para outro, comunica ao seu grande amigo que já não virá, embora se manifeste disposto e disponível a ser, do Porto, o novo diretor do Aurora do Lima.
Mas o presumido espanto de JBS (e nosso) mais nítido se torna, lendo com atenção as tais duas cartas anteriores à de 11 de setembro. E analisando-as, verifica-se que a sua sequência cronológica e correspondente numeração não pode ser a que Alexandre Cabral lhes dá. Não foi por acaso que Xavier Barbosa não compilou uma dessas cartas, precisamente aquela que melhor explicaria a razão do espanto ou inesperada surpresa.
Referencio, no quadro seguinte, as três cartas em causa, com base nas edições publicadas:

CARTAS
DATA
RESPOSTA
EDIÇÃO
“POST”

Não compilada por Xavier Barbosa
N.º 54
[Setembro de 1856]
14/09/56
CABRAL, 1984 (I): 114-5  
VIII
(Foz, 7 de Setembro de 1856)
N/ indicada
BARBOSA, [1919]: 156
N.º 55
[7 de Setembro de 1856]
»
CABRAL, 1984 (I): 116

IX
(Foz, 11 de Setembro de 1856)
N/ indicada
BARBOSA, [1919]: 16-9
N.º 56
[11 de Setembro de 1856]
14/09/56
CABRAL, 1984 (I): 116

É de espantar (para continuarmos no âmbito deste sentimento) que Alexandre Cabral proponha que Camilo escreveu  carta n.º 54 num dia incerto de setembro de 56. Todavia, no comentário que faz a esta mesma carta, diz que dela, além de inédita, viu o respetivo autógrafo e, mais, que nele está «a indicação de: “R. em 14. Viana”.» Decodificando esta última citação, o camilianista esclarece, a exemplo de outras semelhantes, que, na carta n.º 54, JBS anotou ter respondido à referida carta, de Viana, no dia 14 (de setembro de 56, como é contextualmente pressuposto).
Assim, como pode esta carta ter sido escrita em qualquer dia desse mês de setembro? É evidente que foi entre 1 e 13. Repare-se, porém, que é no mesmo dia 14 que, segundo informa Cabral, José Barbosa e Silva responde à carta n.º IX ou 56, datável de 11 de setembro.
E é altura de recordar o excerto do espanto acima transcrito. A «outra carta que ontem receberias» só pode ser a carta n.º 54. E se a recebeu ontem, ou seja, a 10 de setembro, só pode ter sido escrita no dia 8 ou 9. Aliás, é nesta carta 54 que Camilo faz declarações que só podem ser entendidas como respostas a perguntas ou questões postas na carta n.º VIII ou 55, datável de 7 de setembro, mas em cujo autógrafo Cabral não encontrou (ou omitiu) a anotação de JBS lhe ter respondido.
Ora leia-se e compare-se:

CARTA N.º 54 [Setembro de 1856]
CARTA N.º VIII ou 55 [07-09-1856]
Convenho no teu alvitre a respeito da casa. O local indicado é excelente, mas não venha a aguar-me o prazer do horizonte o nevoeiro, prenhe de catarros. Se eles são frequentes, será melhor avizinhar-me dos montes. Não o sendo, faz-me locatário de alguma dessas casas.
Em q[uan]to á casa devo consultar-te: será máo gosto e terei de me aborrecer na aldeia? Convirá melhor passar o inverno na cidade? Uma caza de campo terá as comodidades precisas p[ar]a um homem emplasmado […]? As distancias serão incompatíveis com a m[inh]a saúde?
Vê tu isto. […] diz-me de la alguma coisa q[ue] seja uma resolução. Estou pela tua.
Enquanto a móveis, se em Viana se vendem os indispensáveis para uma mobília económica, é mau governo levá-los de cá. Se eu quisesse uma decoração rica, então sim  […]. Quantum habeo mecum porto. O que é indispensável é mandares-me fazer uma estante para livros, de pau barato (castanho ou pinho) […]. Coisa de dois patacos o máximo.
Designada a casa, tenho de te incumbir de certas coisas pequenas, que me são indispensáveis.
Enquanto ao anunciar-se o aumento, e redacção nova do jornal, faz o que achares mais conveniente a bem do jornal.
Estás disposto a augmentar a “Aurora”? Seria bom – dal-o barato – bem cheio – e acabar com essa farrapagem provincial.

Resumindo e concluindo (este "post"): estas duas cartas trocam de posição na sequência cronológica por que são ordenadas por Alexandre Cabral.

Já agora, por que razão Xavier Barbosa não compilou a carta n.º 54? A meu ler, para, também assim, proteger a imagem pública do seu venerado Camilo. Trata-se de uma carta onde o Escritor mostra aceitar e concordar, em definitivo, com as condições de, enfim, vir para Viana e aqui redigir e dirigir o Aurora do Lima. Na carta IX ou 56, Camilo nega parte do pactuado com o generoso amigo. Afinal, o cavalheiro seria, de facto, versátil, apesar de na carta (ainda) n.º 55 replicar que já não o era. Pelo menos tanto quanto o conceito que dele fazia(m).
Camilo, porém, mostra-se disponível e disposto, não só, para continuar a escrever para o jornal vianês, mas também a aumentar e a diversificar a sua colaboração. Bastaria que (contento-me) que lhe pagassem o mesmo que a um qualquer redator que para Viana viesse.
E depois? Como se chegou a 7de abril de 1857?

Até ao próximo!
E continue a ler Camilo!

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (27)]


Afinal, quem transigiu não foi ela, foi ele. [(Re)ver post anterior]
O leitor já conhece esta carta de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS). Foi transcrita no “post” de 12/05. Aí, para (continuar) a mostrar as relações amorosas existentes entre o Escritor e a freira D. Isabel Cândida Vaz Mourão. Aqui, depois de (re)ler, hoje, esse importante documento, tecer, em “post(s) futuro(s), os comentários julgados convenientes, mais diretamente relacionados o jornal A Aurora do Lima e o seu desejado e interessado novo redator.
Neste sentido, a referida carta é, agora, a referência

11.ª)

MEU CARO BARBOSA. 

Cauza-te espanto uma carta m[inh]a depois de outra q[ue] hontem receberias? Tamb[e]m a mim me maravilha escrever-t’a. São 11 horas da noite, e chego do Porto, com estes restos de coração atravessados n’uma roda de navalhas. É o caso:
Eu nunca disse a Izabel Candida as m[inh]as intenções a resp[ei]to de ir p[ar]a Vianna, p[o]r que previa o abalo, e receava os efeitos p[o]r ella e p[o]r mim, que sou um imbecil, quando sou cauza e ao m[es]mo tempo testemunha d’uma grande dor. Era m[inh]a tenção deixal-a recolher ao convento, e depois ca de fora escrever-lhe uma carta, longam[en]te meditada, de modo que o golpe fosse dado com punhal d’um só gume: isto é – tencionava mentir-lhe, dizendo q[ue] a minha hida era simplesmente uma tentativa p[ar]a o melhoram[en]to da m[inh]a saúde.
Hoje, indo eu levar-lhe m[inh]a filha, que se achava aqui há 3 dias, recebeu-a chorando, sem querer dizer-me a razão p[o]r que. Muito instada, prorompeu n’uma acusação quase virolenta á m[inh]a ingratidão, e acabou p[o]r me dizer q[ue] sendo ella a m[inh]a amiga era a ultima q[ue] devia saber que eu sahia do Porto. Da violência passou para a mansidão das lagrimas suplicantes, e por fim acabou por ser assaltada d’um terrivel incommodo que me assustou. N’este estado, foi-me impossível dizer-lhe uma so palavra de consolação. M[inh]a filha chorava, e o medico Ferr[ei]ra que eventualmente occorreu n’este ensejo, fez-me sentir que a organização enfraquecida da pobre m[ulh]er podia facilm[en]te succumbir a semelhante choque. Eu estava parvo, e parvo sahi quando a noite já adiantada me obrigou.
Aqui tens uma situação bem especial – uma das mi[nh]as deabolicas situações, em q[ue] o coração revive em toda a compaixão q[ue] as m[inh]as proprias desgraças não tem podido desvanecer p[ar]a] com os outros. Isto é uma fatalid[ad]e de q[ue] não ha partido a tirar. É-me impossivel, já agora, ser meu. Ha de haver sempre em mim um pensam[en]to bom q[ue] me escravize ao mal. Sou como aquelle que mede a profundid[ad]e do abysmo, e não tem a resolução de recuar.
Vamos remediar d’algum modo isto meu caro Barbosa. Eu adevinho q[ue] a tua boa alma não é estranha aos sentim[en]tos da minha. D’estes sabes tu sentil-os melhor q[ue] eu. Penso até que m’os louvas, e serias o primeiro a dizer-me «não desampares essa pobre m[ulh]er, que tem contra ella a id[ad]e a dizer-lhe que os seus annos já não podem vencer os calculos d’um homem»[.] Isto é duro, e chora-me o coração figurando-me a alma de I[sabel] Candida, q[ue] não tem em si recursos p[ar]a a defeza d’uma ingratidão. Como poderemos remediar isto? Ha um modo q[ue] tu recuzarás, mas eu não deixo p[o]r isso de t’o propor. Eu serei d’aqui redactor do teu jornal. Uma simples carta tua com poucas palavras será sufficiente inspiração p[ar]a artigos especialmente consagrados ao Destricto. Mandarei regularm[en]te 3 artigos politicos-economicos p[ara] o jornal, e 3 correspondencias que devem substituir as do Novaes, que eu acho m[ui]to inferiores a uma patacoada. Alguns extractos e correspondencias bastarão p[ar]a encher dignam[en]te a folha. Se, todavia, p[o]r q[u]alq[ue]r consideração, não queres apear o Novaes, eu escreverei m[ai]s q[ue] os 3 artigos, e forjaria uma apparente correspondencia de Lx.ª [Lisboa][.] Convencido estou de q[ue] a m[inh]a assistencia ao pe do jornal não o tornaria p[o]r isso mais lido nem m[ai]s em dia, n’uma terra onde é reflexiva a politica, e donde d’um dia p[ar]a o outro tu me avisas dos pontos em q[ue] convem tocar.
Não sinto precisão de te dizer m[ai]s[.] Tu é que me deves escrever logo q[ue] resolvas, na certeza de q[ue], p[o]r um motivo m[ui]to nobre, terei grande pezar q[ue] recuzes. Devo dizer-te q[ue] me contento, em paga, com a q[ue] darias a qual[que]r redactor que p[ar]a ahi fosse. Pareceu-me dever notar isto como uma circumstancia que te faria pensar alguns instantes.

(Foz, 11 de Setembro de 1856)
                                                                       Teu Camillo
[Barbosa, [1919]: 16-19.  Respeitada grafia da edição consultada.
Também em Cabral, 1984 (I): 117-119]

        Então, até ao próximo!
         E continue a ler Camilo! Por exemplo, Carlota Ângela, romance originalmente publicado em Viana do Castelo, no Autora do Lima, em folhetins e depois em livro (1858). Nele encontrarão uma «soror Rufina», do Convento de S. Bento da Avé Maria, uma «religiosa ilustrada» e uma «senhora tolerante».

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (26)]


Este “post” é continuação do anterior. Além das observações nele anotadas, talvez seja conveniente fazer mais algumas.

Antes de mais, a reafirmação de Camilo em vir para Viana, apesar das dúvidas (pressu)postas por José Barbosa e Silva (JBS), em carta(s) ou conversa(s) anterior(es) que se desconhecem. «Sou menos versátil do que me conceituas» - como que replica o Escritor. O seu crescente enojamento (social, certamente; afetivo, provavelmente) por certa gente do Porto é argumento para manter o seu interesse no Aurora e por casa em Viana. Veja-se, não obstante, como deposita toda a confiança no amigo, quanto à localização da casa, circunstâncias físicas e condições para a saúde: a tua resolução será a minha, remata.

Depois, lembrar que entre as coisas pequenas e indispensáveis, de que deseja incumbir JBS, em princípios de setembro de 56, estaria a estante para os livros, referida na carta transcrita no “post” de 16/06.

A filha do epistológrafo, já o paciente leitor sabe quem é: Bernardina Amélia. E D. Isabel é a freira do Convento de S. Bento da Avé Maria, no Porto, amante do Escritor e madrinha (educadora) da menina. [(Re)ver “posts” de 10/05 e de 24/05] Camilo, perante a proximidade da sua projetada e desejada vinda para Viana, deve ter dito algo que levou Isabel Cândida Vaz Mourão a profetizar que iria, em breve, ser abandonada. Perante o (pres)sentido sofrimento da amante, Camilo está disposto a não transigir, isto é, que seja a amante a transigir. Só que… logo veremos.

O Timbre era jornal que surgiu em Viana para rivalizar com o Aurora do Lima. Àquele periódico já me referi nos “posts” de 15/06 e no anterior. A esta rivalidade não deve ser estranha a orientação ideológica de um outro periódico. João Maria Batista de Oliveira, «major de artilharia na guarnição de Viana, foi um dos fundadores e redactor» do Aurora. Abandonou esta função «precisamente um mês depois», em janeiro de 1856. De sua autoria é o editorial do n.º 1 (15/12/1855) deste jornal.
Este major é quem assina, juntamente com E. Furtado Coelho, o editorial do n.º 1 de O Timbre, saído em 02/07/1856. E, «na primeira e segunda páginas deste primeiro número», publica ainda um artigo, intitulado «Parte Religiosa».
Esta efémera folha (terminou a sua publicação em 21/10/1856) timbrava por se assumir «jornal religioso, político e comercial». A ordem dos qualificativos não é, certamente, arbitrária. Ressalta da leitura destes textos uma clara oposição à orientação editorial do Aurora. [Cf. VIANA & BARROSO, 2009: 78-79 e 506-507. Ver também CABRAL, 1984 (I): 113, a propósito desta rivalidade jornalística.]
Note-se, de novo, como Camilo defende um jornalismo sério, feito por escritores graves, a ponto de, quando necessário, responder às vilanagens de outros. Concorda, também por isso, com o aumento de páginas do Aurora, desde que, sendo barato e bem cheio, sirva para acabar com a farrapagem provinciana.

Camilo revela ao amigo de Viana que se prepara uma revolta militar, a favor da Regeneração, mas pede que o Aurora dela não faça anúncio. O general (depois marechal) Ferreira é José Gerardo Ferreira Passos (1801-1870) [Biografia]. O Saldanha é, o marechal João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, também conhecido como duque de Saldanha. [Biografia]. Trata-se de duas importantes figuras da história do Liberalismo, em particular do conturbado período da Regeneração (1853-1868). Tempos estes que o Escritor retrata em muita da sua obra romanesca, histórica e jornalística.

 

E que mais?

Haverá, ainda, muitos “posts” sobre as relações de Camilo com o Aurora. No próximo, retranscreverei uma carta interessantíssima a este respeito. E aparentemente negadora da tese que defendo. Se fosse a última e a última palavra do Escritor sobre o assunto…

 

Até ao próximo, então!
E continue a (re)ler Camilo. Por exemplo: A Bruxa do Monte Córdova (1867) ou Maria da Fonte (1885).

Referências:
Além das indicadas no ”post” anterior:

VIANA, Rui A. Faria & BARROSO, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo.

terça-feira, 20 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (25)]


Eis a carta (n.º 55) que, apesar de Alexandre Cabral a colocar depois da que transcrevi e comentei nos dois últimos “posts” (n.º 54), deve, a meu ler, ser colocada antes, na cronologia epistolar de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS). Como em breve procurarei mostrar. Assim, cá vai a referência

10ª)

MEU CARO BARBOSA.

[Dei as tuas ordens à D. Joana que as cumprirá pontualmente. Ela foi feliz, e a tua casa recebe uma boa administradora.] [*]
A minha resolução definitiva em q[uan]to á ida para Vianna é feita desde que ta dei. Sou menos versatil do que me conceituas. Os annos tem-me dado persistencia nas tenções, e o enojo d’esta gente cresce de dia p[a]ra dia.
Em q[uan]to á casa devo consultar-te: será máo gosto e terei de me aborrecer na aldeia? Convirá melhor passar o inverno na cidade? Uma caza de campo terá as comodidades precisas p[ar]a um homem emplasmado (frase eufrasina)?[**] As distancias serão incompatíveis com a m[inh]a saúde?
Vê tu isto. Entra no amago das m[inh]as necessidades, e diz-me de la alguma coisa q[ue] seja uma resolução. Estou pela tua.
Designada a casa, tenho de te incumbir de certas coisas pequenas, que me são indispensáveis.
A minha filha está boa; e D. Izabel soffre… parece q[ue] prophetisa. Ha de ser-lhe m[ui]to penosa a m[inh]a sahida; mas é força transigir. Eu aqui asfixio.
Despreza essa villanagem do “Timbre”. Organize-se, se é necessario combatê-lo, um jornal de boleeiros, e depois la se avenham. Na escrivaninha do escriptor grave é ás vezes indispensável o chicote; mas é preciso que as vergoadas encontrem uma cara onde assentem. Eu se la estivesse, tinha dito isto, e mais nada. D’aqui em diante, lia o jornal na cluaca.[***]
Estás disposto a augmentar a “Aurora”? Seria bom – dal-o barato – bem cheio – e acabar com essa farrapagem provincial.
Prepara-se uma revolta militar a favor da Regeneração. Deve haver pancada de cego. O general Ferreira não transige com ela. Espera-se o Saldanha para comandar. Isto é positivo; mas nada de o anunciar no jornal.
Ad[eu]s Recados a teus manos do

(Foz, 7 de Setembro de 1856.)[****]
teu Camillo.
{BARBOSA, [1919]: 15-16. Respeitada grafias das edições consultadas.
Também em CABRAL, 1984 (I): 116 e em MOUTINHO, 2016 (III): 320-321}

[*] Barbosa não transcreve este parágrafo. Alexandre Cabral transcreve, sempre, as cartas em itálico.
O autor do Dicionário de Camilo comenta que esta «amputação […] resulta da preocupação do coordenador [das Cem Cartas] em não desmentir o que afirmara no Proémio […]: chamar-se Ana a governanta, quando na verdade ela se chamava Joana.» E acrescenta: «O objectivo é evidente… e feio: apagar Ana Plácido da existência de Camilo – nesta época.» [CABRAL, 1984 (I): 117]
É sabido que Cabral é um dos biógrafos camilianos que defendem que a vinda do Escritor para Viana, em 1857, foi uma estratégia para, com a cumplicidade de JBS, se encontrar e conviver com a mulher de Manuel Pinheiro Alves, e não para tomar conta da direção do Aurora do Lima. Ana Plácida teria acompanhado, então, a irmã mais nova, Maria José, a quem teriam recomendado os ares da foz do Lima, com o objetivo de se curar da doença dos pulmões que a afetaria.
Manuel Tavares Teles, por sua vez, critica, negativamente, aquele comentário de Cabral. Escreve:
«Alexandre Cabral distingue uma D. Ana de uma D. Joana. / São a mesma pessoa. / Percorrendo a obra de Camilo poder-se-ia apresentar uma centena de exemplos de incongruências similares; mas, mesmo sem sair da correspondência Barbosa e Silva, algumas se podem fornecer: / Chama ao estalajadeiro de Viana, Perna de pau e Cara de pau. / Chama ao proprietário das diligências, João das Neves e Sebastião das Neves. / Chama à governanta, D. Ana e D. Joana. / São dois nomes tão consonantes e confundíveis como os outros pares que citei; aliás, Camilo escreve, duas vezes, Ana e, apenas uma, Joana; Alexandre Cabral é que decidiu, arbitrária e contra-intuitivamente, que o nome menos usado seria o correcto.» [TELES, 2008: 181]
[**] «Allusão á D. Eufrasia, hospedeira de Camillo.» [Anota, Barbosa, no rodapé 17, p. 15] Ver, a propósito desta hospedeira, “post” anterior. Moutinho, que segue a opinião de Cabral sobre a vinda de Camilo para Viana, diz, comentando esta carta, que o «vocábulo eufrasina refere-se a Carlota Eufrásia, a sua governanta». [MOUTINHO, 2016 (III): 321] Acontece, porém, que o nome correto da hospedeira e amiga íntima de Camilo é Eufrásia Carlota e não o inverso. Este camilianista deve ter trocado os nomes. Ou, então, estar a misturar o nome da mãe com o da filha. É que esta D. Eufrásia era viúva e mãe de uma menina chamada Carlota. [Cf. CABRAL, 20032: 711 e FIGUEIRAS, 2010: 245]
[***] «Por esta carta e pela anterior, vê-se que o enthusiasmo da lucta já por esse tempo escandecia o animo combativo do futuro polemista.» [Nota 18, rodapé, p. 16, de Barbosa]. A propósito, será de lembrar que a produção polemística de Camilo começou muito cedo. A primeira polémica (escrita, fora as físicas) em que se envolveu data de 1849, com O Jornal do Povo. [Cf. CABARL, 1981 (I): 43-52 e 20032: 632]
[****] Cabral não data esta carta da Foz, tal como Moutinho, que lhe segue a transcrição. Todavia, Barbosa sabia que, em 7 de setembro de 56, Camilo ainda lá se encontrava, a banhos, como se lerá em próxima referência epistolar.

Para não sobrecarregar, ainda mais, este “post”, fiquei-me pelas notas, a que acrescentei alguns comentários. No próximo, fixar-me-ei no conteúdo desta carta que mais diretamente diz respeito à cadeia de relações de Camilo com o Aurora do Lima.

Até ao próximo, então!
E continue a (re)ler Camilo.

 Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1981: Polémicas de Camilo Castelo Branco - Vol. I. (Recolha, prefácio e notas de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 20032Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
FIGUEIRAS, Paulo de Passos, 2010: «Camilo e Ana Plácido – Alguns factos inéditos da sua vida». Cadernos Vianenses (Tomo 44). Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 229-255.
MOUTINHO, José Viale, 2016: Camiliana 3 – Cartas Escolhidas de Camilo Castelo Branco. S/l: Círculo de Leitores.
TELES, Manuel Tavares, 2008: Camilo e Ana Plácido. Episódios ignorados da célebre paixão romântica. S/l: Caixotim.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (24)]


Eis, hoje, os comentários ou observações que, a meu ler, merece a importante carta de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS), transcrita no “post” anterior.
Parece estar para breve a vinda do Escritor para Viana, a fim de se dedicar, por inteiro, à direção d’A Aurora do Lima e aqui, para o efeito, nesta cidade fixar residência. E invoca, note-se, o que está pactuado (acordado) entre ambos.
Observe-se, todavia, como Camilo procura, desde logo, assegurar a independência jornalística, sua e do jornal. Ele sabia que o destinatário pertencia a uma das famílias mais ricas de Viana. Sabia também que, desde janeiro de 56 (juntamente com o irmão Mateus e José Afonso Espregueira), era um dos coproprietários do Aurora. [Cf. VIANA & BARROSO, 2009: 47] Além disso, sabia que o dileto amigo vianês era filiado no partido progressista. Certamente por isso e a propósito, coloca à sua consideração duas pertinentes questões, ainda que diga não pretender coagi-lo:

i) A Aurora não deve ser jornal faccioso.
ii) Por mais útil que o jornal se faça, eu penso que ele será sempre um consumidor de capital improdutivo. Vejo uma rebentação de jornais provincianos que há-de fanar-se toda à míngua de seiva. Pensa nisto, se não pensaste ainda.

Outro assunto importante desta carta diz respeito à casa. O Escritor diz concordar com a localização proposta, mas receia os nevoeiros frequentes. Daí que, a tal se verificar, preferir avizinhar-se dos montes. É muito provável que esta casa se situasse lá para as bandas da Argaçosa ou Meadela. Ainda não é a de S. João d’Arga, vizinha do Monte de Santa Luzia. Camilo voltará a questionar a localização da casa, na próxima carta, que, a meu ler, deve ter sido escrita antes da que temos ora em consideração.
Repare-se, entretanto, como Camilo está decidido a deixar o Porto e instalar-se, em Viana, de armas e bagens («Quantum habeo mecum porto = Comigo vai tudo o que tenho»). E com ele viria também D. Eufrásia, a sua generosa hospedeira, amante e dedicada amiga, a quem designava também por «La Florêt em 3.ª mão».
Camilo refere-se a D. Eufrásia em mais quatro cartas. Na primeira, datada de 03/05/1853, escreve, a dado passo, que o seu espírito se sente enojado com o muito pasto da mesma impressão. Já não digere, por isso, os indigestos carinhos desta sua amiga íntima, precisando, portanto, de segundas ou vigésimas núpcias, caso contrário, bestializa-se. {Cf. Barbosa, [1919]: 106 e Cabral, 1884 (I): 62} As três cartas restantes, em que se refere a Eufrásia (Carlota de Sá, seu nome completo), são posteriores à carta transcrita no “post” anterior. Na devida altura, apresentarei outros dados sobre as relações de Camilo com esta sua «hospedeira integral», como lhe chamou Aquilino Ribeiro. [RIBEIRO, 1961 (II): 57]

Camilo está, mais uma vez, disponível para ajudar o amigo do coração vianês a publicar, em jornais, a sua correspondência, isto é, cartas-folhetim, artigos, crónicas, poemas. Desde 1850, aliás, que o Escritor publicava e/ou apadrinhava a publicação de textos de JBS, em jornais de Lisboa e/ou do Porto. [(Re)ver “post” publicado, no blogue E-TERNO RETORNO, em 14/01/2014] Mas, agora, Camilo oferece-lhe as páginas d’O Clamor Público, de que é o redator literário, cujo 1.º n.º sairá em 15/09/56, como de facto aconteceu. É que, em carta datada de 24/07/56, informava JBS que a efémera carreira - Como o jornalista sabia, profissionalmente, do que falava! - deste periódico portuense teria início no mês próximo. Agosto, portanto. Mas, enfim, foi a meio de setembro.
A este efémero jornal já me referi em alguns “posts” recentes, a propósito da transcrição, no Aurora, dos folhetins da Peregrinação [sobre a face do globo], saídos, inicialmente, no jornal A Verdade e continuados, depois, no Clamor. [(Re)ver “post”, neste blogue, de 14/06/2017] Interessantes, no mínimo, são aquelas afirmações - irónicas, evidentemente - sobre os últimos capítulos da Peregrinação: que devem ser a mostarda de muitos narizes, por um lado, e que neles (capítulos) disse coisas que nem eu [ele] entende, por outro. Resta-nos (re)ler a narrativa/crónica «Do Porto a Braga», incluída, depois em Duas Horas de Leitura, em 1857, com segunda edição aumentada, em 1858. [Cf. BRANCO, 18582: 87-152].
Evaristo Basto, um dos redatores d’O Clamor Público, foi um dos peregrinos que, juntamente com os irmãos Luís e José BS, acompanharam Camilo na excursão ao Bom Jesus de Braga. [(Re)ver “post” de 09/06/2017]
Alexandre [José da Silva] Braga [Júnior] (1829-1895) e [António José Coelho] Lousada (1828-1859) foram escritores, jornalistas e amigos de Camilo. [Cf. CABRAL, 20032: 111 e 450]

Até ao próximo, então!
E continue a (re)ler Camilo.

Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, 18582: Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho, Editor.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 20032Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
RIBEIRO, Aquilino, 1961: O Romance de Camilo (Vol. II). Bertrand: Amadora.
VIANA, Rui A. Faria & BARROSO, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo.