CAMILO &M
VIANA
[1857: “velha” como “nova” (18)]
A 3.ª
referência epistolar de Camilo ao Aurora
do Lima, transcrita no “post” anterior, para cuja leitura remeto, pede algumas observações.
Começa o
remetente, no excerto transcrito, por revelar ao destinatário que havia principiado a história. Em seguida,
depois de breves comentários sobre a forma e conteúdo da mesma, pede-lhe um parecer, por um lado, e cuidado na sua transcrição, por outro.
A história é
o relato da excursão que Camilo, juntamente com mais três amigos - Evaristo
Basto e os irmãos Luís e José Barbosa e Silva - haviam feito, há poucos dias (finais
de junho de 1856) ao Bom Jesus de Braga. A partida deu-se do portuense Largo da
Trindade, eram cinco horas da tarde do dia 26, e o regresso a 28, era meio-dia.
Camilo e Evaristo à Cidade Invicta. Os irmãos Barbosa e Silva à Princesa do
Lima. [Cf. BRANCO, 18582:
87 e 173; Também BARBOSA [1919]: 122-123 e CABRAL, 1984 (I): 100].
Recorde-se que
a 3.ª referência é de carta datada de 02/07/1856. Camilo escrevia depressa e
bem, como ninguém, fruto dos seus dotes para as letras, mas aliados a um
persistente trabalho de auto-formação e prática. Um profissional, puro e duro –
dir-se-ia. Veja-se que ele regressa do passeio a Braga, no dia 28, «muito
alquebrado», diz em carta a JBS, no dia seguinte. Nessa carta conta que, por
isso, dormiu oito horas seguidas, desde
que chegou a casa. Mas acrescenta:
Logo q[ue] o espirito
se robusteça, vou começar o meu trabalho
dos folhetins. P[ar]a isto quere-se facundia de gracejos, e sal ás pilhas.
Estou insosso e salobro como aquelle espirito que fizemos, em mangas de camisa, na encosta do S[enho]r do Monte.
{BARBOSA,
[1919]: 123. Respeitada grafia da edição consultada, com inclusão, porém, dos
grafemas omissos. Também em CABRAL, 1984 (I): 100]
Nota - O «espírito» a que o Escritor se refere é, a meu ler, aquele
episódio que os quatro amigos terão vivido, quando, aninhados na carroça e transpirando
copiosamente, subiam para o Senhor do Monte. Os cavalos que puxavam a
carroça, a dada altura, estacaram a
marcha, derretendo-se em suores. Pareciam
estar em paroxismo de morte. Foram salvos - parelha e seu dono, mais os quatro peregrinos – pelo encontro inesperado dos cavalos com um par de garranos, montados por dois lorpas. Estes, os garranos, e aqueles, os cavalos, distribuíram couces em todas as direções.
Os cavalos encostaram os garranos à
parede e a carroça, vazia de
passageiros, lá chegou ao cimo da
suavíssima estrada, que mais não era que
uma calçada precipitosa. [Cf.
BRANCO, 18582: 154-156]
Todavia, logo
no dia 01/07, saía, no jornal portuense A
Verdade (n.º 235), o primeiro folhetim da história, com o irónico e humorístico título «Peregrinação sobre a
Face do Globo». Quando, por isso, Camilo diz, na 3.ª referência, que JBS verá que principiou a história, está ele
a comunicar ao amigo que tinha sido publicado o 1.º folhetim, de que lhe
enviaria, juntamente, a respetiva tira
do periódico. Tira de que o Aurora deveria fazer cuidada transcrição, ao dar a lume o
folhetim.
A
«Peregrinação» começou a ser publicada no Aurora
do Lima (na verdade, transcrita d’A
Verdade), a 05/07/56 (n.º 81). Os folhetins continuaram no jornal portuense,
mas só até 18/07 (n.º 250), sendo, de seguida, transcritos no jornal vianês.
Camilo, entretanto, deixa de colaborar no Verdade.
Tinham-lhe censurado o romance Lágrimas
Abençoadas que, em folhetins, estava publicando neste jornal. A
«Peregrinação» passa, por isso, em setembro, para as páginas d’O Clamor Público (jornal portuense de
que Camilo era um dos redatores). Desta feita, contudo, até ao último
folhetim. O Aurora, por sua vez,
continua a publicação dos folhetins em falta, transcrevendo-os d’O Clamor. O último
capítulo sai em 14/10 (n.º 124).
Com o título
«Do Porto a Braga», o Escritor incluiu,
depois, a «Peregrinação», no volume Duas
Horas de Leitura: em 1857, com «Dous Santos não Beatificados em Roma»; em 18582,
mais as narrativas «Impressão Indelével (1848)» e «Sete de Junho de 1849».
Estas duas últimas histórias vieram a
público, pela primeira vez, no Aurora do
Lima, em finais de abril e meados de junho de 57, respetivamente.
O Escritor, em
três destas quatro narrativas (exceção: «Dous santos»), faz frequentes referências elogiosas ao seu dileto amigo JBS. Ao Luís, irmão deste, apenas em
«Peregrinação» / «Do Porto a Braga». Aqui, traça o «vulto moral» de cada um deles.
[(Re)ver, para Luís BS, aqui e para JBS, aqui]
Camilo dá-nos
também o retrato de Evaristo Basto (1821-1865). Natural do Porto, formou-se em
direito pela Universidade de Coimbra. Exerceu a advocacia e ocupou vários
cargos, sendo, ao mesmo tempo, um homem social e culturalmente interveniente.
É, porém, como publicista (jornalista)
que mais se faz notar na sociedade portuense, não tanto - observa Camilo a seu
respeito – pelo que tenha dito de si,
mas pelo que há dito dos outros. Foi um
dos primeiros e mais fiéis amigos do Escritor. Camilo, ao traçar o seu «vulto
moral», termina com estas palavras:
Para as
tempestades do moço, e do moço poeta, não ha senão um porto, e são muitos os
naufragios… O porto achou-o E. B., que o merecia: é a paz domestica, a
sanctidade das affeições de esposo e pai, tudo que ha de melhor abaixo do céo.
[BRANCO, 18582:
96. Respeitada grafia da edição consultada.]
Convém,
entretanto, não esquecer que, neste “post”, estou a tecer algumas considerações
sobre as relações de Camilo com o Aurora
do Lima, lendo e comentando cartas que o Escritor dirigiu a JBS. Voltando,
por isso, à 3.ª referência, resta relevar como o literato jornalista continua interessadíssimo na colaboração e redação
do jornal. Neste excerto, diz-se capaz e disponível para escrever sobre todos
os assuntos, desde os artigos principais,
até mesmo especialidades, desde que o
amigo lhe fornecesse os apontamentos necessários. Isto, para ir fazendo alicerces e dominar as matérias («materializar-me»),
enquanto não vem viver para Viana. Recorde-se e repare-se:
A
respeito da Aurora, lembra-me uma coisa: eu podia mesmo de cá
redigir os artigos principais, particularmente os que não tocam com as especialidades
do distrito. Escrever indústria em general – Associação – interesses materiais
– e até especialidades inspiradas por apontamentos teus. Iríamos assim fazendo
já alicerces, e eu habituando-me ao género para o qual me é necessário materializar-me
um pouco. [Em carta datada de 02/07/1856]
{CABRAL, 1984 (I): 102. Respeitada grafia da edição
consultada. Não transcrita em BARBOSA, [1919]}
É de crer que, durante os três dias da «Peregrinação»
a Braga, os Barbosa e Silva tivessem aproveitado a ocasião para debater com o
amigo Escritor (se não o tinham feito já antes) o futuro do Aurora, incluindo a possibilidade de ele
vir a assumir a redação do ainda novíssimo jornal vianês.
Ver-se-á como as coisas evoluíram, nos “posts” seguintes.
Então, até ao
próximo!
E continue a
(re)ler Camilo.
Referências
e bibliografia consultada:
ANSELMO, Artur, 1989: «Camilo e “A Aurora do Lima”» (Série de 7 rodapés,
publicados em A Aurora do Lima, nos
meses de fevereiro e março). Também em ANSELMO, 1993.
--------------, 1993: «Camilo e “A Aurora do Lima”». Estudos Camilianos –
3. V. N. de Famalicão: Centro de Estudos Camilianos; pp. 115-123.
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa:
Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, 18582: Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho, Editor..
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo
Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários
de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 20032: Dicionário de Camilo Castelo Branco.
Lisboa: Caminho.
Sem comentários:
Enviar um comentário