segunda-feira, 5 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (16)]


De graça deveriam ter sido as primeiras colaborações de Camilo no início d’A Aurora do Lima (1855). De graça e para agradecer. São conhecidos os muitos favores, com realce para os frequentes pedidos de dinheiro emprestado, que o filho da mãe incógnita Jacinta Rosa Almeida Espírito Santo (1799-1827) devia ao abastado amigo de Viana.
[Obs.- Abordei já o estado de «penúria» financeira de Camilo, entre 1850 e 1854, em RODRIGUES, 2013.]
Além de textos em prosa que, sob pseudónimos, saíram no jornal, a 29 de dezembro de 55, no seu n.º 6, o Escritor publica um poema, sem título, dedicado a José Barbosa e Silva (JBS). Poema que depois incluiu no volume de versos Ao Anoitecer da Vida. [BRANCO, 1874: 30-34. Encontra-se também em Folhetins de Camillo Castello Branco (2.ª Série), 1911: 56-59]

Não obstante, a 11 de janeiro de 1856, Camilo escreve ao solícito amigo uma carta. Dela transcrevo mais uma referência ao Aurora. É a

2.ª)
Tenho recebido 2 n[umer]os da Aurora do Lima – os últimos.
Lembrava-me dizer-te que, se me pagassem, escreveria para esse jornal 4 correspondencias-folhetins por mez, sobre cousas do Porto, tudo o q[ue] pode e deve ser folhetinisado. Gratuitam[en]te não posso; bem sabes que não escrevo por prazer nem p[or] gloria. As correspond[enc]ias podem interessar ca e la, e o jornal, se me não engana a vaid[ad]e, lucrará algumas assignaturas. Não sei. O caso é que as 4 correspond[enc]ias escrevo-as por 14:400 r[ei]s mensaes – enchendo os 3 lados. Como o jornal recebe de ti, se não collaboração, influencia de qualquer modo, propõe, e dá p[ar]te do resultado. Ca vou indo (isto é – heide ir indo q[uan]do poder) com as memorias do juiz eleito. A Aurora não publicou o prospecto?
{BARBOSA, [1919]: 5-6. Respeitada grafia da edição consultada,
com inclusão, porém, dos grafemas omissos. Também em CABRAL, 1984 (I): 97-98]}

É suficientemente claro e objetivo o contrato de colaboração jornalística que, através de JBS, Camilo propõe aos proprietários do Aurora. O Escritor trabalha, isto é, escreve, sabe do seu ofício e quer ser pago pelos serviços que prestará. Creio não serem necessários, por isso, outros comentários.
Farei, todavia, duas breves observações.
Primeira - Os três lados, que o jornalista se compromete a preencher, eram as três colunas de uma página, mancha de texto que o periódico tinha na altura.
Segunda – No final do excerto, o Escritor informa JBS que continua a escrever - quando pode ou puder - as memórias do juiz eleito. E, na sequência, pergunta (e queixa-se, indiretamente): «A Aurora não publicou o prospecto?» Camilo refere-se a Memórias d’Além da Campa dum Juiz Eleito, de que, abaixo, falarei um pouco. Em carta, de finais de dezembro de 55, para JBS, previa ser a sua grande obra. E pede, na mesma:

«Lê esse propescto, mostra-o aos rapazes, e, se os vires dispostos a rirem-se, inscreve-os: mas não peças favores.» {Em CABRAL, 1984 (I): 97. Respeitada a grafia da edição consultada. Não consta em BARBOSA [1919]}

O prospeto, segundo comenta Alexandre Cabral [ibid.], destinava-se à angariação de assinantes interessados na aquisição da projetada obra, ainda em curso de escrita. Obra que, todavia, começou a ser publicada, em folhetins, nos jornais portuenses A Verdade (entre 16 e 26/05/1856), com transcrição, n’O Nacional, logo no dia 17, informa Júlio Dias da Costa. Este douto camilianista compila e anota, nos Dispersos de Camillo, os folhetins que, sob o título «OBRA MONUMENTAL / MEMORIAS D’ALEM DA CAMPA D’UM JUIZ ELEITO», foram publicados n’O Nacional. Em 1864, o Jornal do Comercio, de Lisboa, inicia a publicação destas «Memórias». Saíram apenas três folhetins, em 30/01, 06 e 26/02.

O juiz eleito é José Liberato Freire de Carvalho (1772-1855), jornalista, escritor e político destacado. Deixou publicado, além de outros, o livro Memórias da Vida de José Liberato Freire de Carvalho (1854). [(Re)ver biografia] É baseado neste livro, «quatrocentas páginas insossas, que desservem a nomeada do seu author» - anota Camilo na pele de editor - que, em finais de 55 e princípios de 56, vai escrevendo as Memórias d’além da campa d’um juiz eleito. O projeto, todavia, não passou da meia dúzia de folhetins. Parece ter havido fortes pressões sobre os diretores dos três jornais para que não continuassem a sua publicação. [Cf. COSTA, 1925 (II): 460-500]

Como se sabe, Camilo, profissional orgulhoso que era das suas artes e ofícios, não escrevia para a gaveta. Sem outras fontes de rendimento e sustento, a escrita (jornalística, histórica e literária) era o seu único modo de vida. E de estar. E de ser.

Ao Aurora estas Memórias não dizem diretamente respeito. Por isso…

Até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo.

Referências
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, 1874: A Anoitecer da Vida (Ultimos Versos). Lisboa: P[aulo] P[lantier].
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
COSTA, Júlio Dias da, 1925: Dispersos de Camillo (Vol. II). Coimbra: Imprensa da Universidade.
FOLHETINS de Camillo Castello Branco (2.ª Série), 1911. Viana do Castelo: Archivo d’A Aurora do Lima.
RODRIGUES, David F., 2013: «Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [04] / (A penúria do escritor, em cartas de cinco anos)»: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/12/camilo-viana-005.html

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