segunda-feira, 19 de junho de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (24)]


Eis, hoje, os comentários ou observações que, a meu ler, merece a importante carta de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS), transcrita no “post” anterior.
Parece estar para breve a vinda do Escritor para Viana, a fim de se dedicar, por inteiro, à direção d’A Aurora do Lima e aqui, para o efeito, nesta cidade fixar residência. E invoca, note-se, o que está pactuado (acordado) entre ambos.
Observe-se, todavia, como Camilo procura, desde logo, assegurar a independência jornalística, sua e do jornal. Ele sabia que o destinatário pertencia a uma das famílias mais ricas de Viana. Sabia também que, desde janeiro de 56 (juntamente com o irmão Mateus e José Afonso Espregueira), era um dos coproprietários do Aurora. [Cf. VIANA & BARROSO, 2009: 47] Além disso, sabia que o dileto amigo vianês era filiado no partido progressista. Certamente por isso e a propósito, coloca à sua consideração duas pertinentes questões, ainda que diga não pretender coagi-lo:

i) A Aurora não deve ser jornal faccioso.
ii) Por mais útil que o jornal se faça, eu penso que ele será sempre um consumidor de capital improdutivo. Vejo uma rebentação de jornais provincianos que há-de fanar-se toda à míngua de seiva. Pensa nisto, se não pensaste ainda.

Outro assunto importante desta carta diz respeito à casa. O Escritor diz concordar com a localização proposta, mas receia os nevoeiros frequentes. Daí que, a tal se verificar, preferir avizinhar-se dos montes. É muito provável que esta casa se situasse lá para as bandas da Argaçosa ou Meadela. Ainda não é a de S. João d’Arga, vizinha do Monte de Santa Luzia. Camilo voltará a questionar a localização da casa, na próxima carta, que, a meu ler, deve ter sido escrita antes da que temos ora em consideração.
Repare-se, entretanto, como Camilo está decidido a deixar o Porto e instalar-se, em Viana, de armas e bagens («Quantum habeo mecum porto = Comigo vai tudo o que tenho»). E com ele viria também D. Eufrásia, a sua generosa hospedeira, amante e dedicada amiga, a quem designava também por «La Florêt em 3.ª mão».
Camilo refere-se a D. Eufrásia em mais quatro cartas. Na primeira, datada de 03/05/1853, escreve, a dado passo, que o seu espírito se sente enojado com o muito pasto da mesma impressão. Já não digere, por isso, os indigestos carinhos desta sua amiga íntima, precisando, portanto, de segundas ou vigésimas núpcias, caso contrário, bestializa-se. {Cf. Barbosa, [1919]: 106 e Cabral, 1884 (I): 62} As três cartas restantes, em que se refere a Eufrásia (Carlota de Sá, seu nome completo), são posteriores à carta transcrita no “post” anterior. Na devida altura, apresentarei outros dados sobre as relações de Camilo com esta sua «hospedeira integral», como lhe chamou Aquilino Ribeiro. [RIBEIRO, 1961 (II): 57]

Camilo está, mais uma vez, disponível para ajudar o amigo do coração vianês a publicar, em jornais, a sua correspondência, isto é, cartas-folhetim, artigos, crónicas, poemas. Desde 1850, aliás, que o Escritor publicava e/ou apadrinhava a publicação de textos de JBS, em jornais de Lisboa e/ou do Porto. [(Re)ver “post” publicado, no blogue E-TERNO RETORNO, em 14/01/2014] Mas, agora, Camilo oferece-lhe as páginas d’O Clamor Público, de que é o redator literário, cujo 1.º n.º sairá em 15/09/56, como de facto aconteceu. É que, em carta datada de 24/07/56, informava JBS que a efémera carreira - Como o jornalista sabia, profissionalmente, do que falava! - deste periódico portuense teria início no mês próximo. Agosto, portanto. Mas, enfim, foi a meio de setembro.
A este efémero jornal já me referi em alguns “posts” recentes, a propósito da transcrição, no Aurora, dos folhetins da Peregrinação [sobre a face do globo], saídos, inicialmente, no jornal A Verdade e continuados, depois, no Clamor. [(Re)ver “post”, neste blogue, de 14/06/2017] Interessantes, no mínimo, são aquelas afirmações - irónicas, evidentemente - sobre os últimos capítulos da Peregrinação: que devem ser a mostarda de muitos narizes, por um lado, e que neles (capítulos) disse coisas que nem eu [ele] entende, por outro. Resta-nos (re)ler a narrativa/crónica «Do Porto a Braga», incluída, depois em Duas Horas de Leitura, em 1857, com segunda edição aumentada, em 1858. [Cf. BRANCO, 18582: 87-152].
Evaristo Basto, um dos redatores d’O Clamor Público, foi um dos peregrinos que, juntamente com os irmãos Luís e José BS, acompanharam Camilo na excursão ao Bom Jesus de Braga. [(Re)ver “post” de 09/06/2017]
Alexandre [José da Silva] Braga [Júnior] (1829-1895) e [António José Coelho] Lousada (1828-1859) foram escritores, jornalistas e amigos de Camilo. [Cf. CABRAL, 20032: 111 e 450]

Até ao próximo, então!
E continue a (re)ler Camilo.

Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, 18582: Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho, Editor.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 20032Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
RIBEIRO, Aquilino, 1961: O Romance de Camilo (Vol. II). Bertrand: Amadora.
VIANA, Rui A. Faria & BARROSO, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo.

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