domingo, 30 de abril de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (04)]


             Ora cá estou, de novo, para apresentar, transcrevendo-as, mais duas referências (terceira, já de seguida; quarta, no fim deste “post”) que Camilo faz, nas cartas para o amigo José Barbosa e Silva (JBS) à tal «D. Isabel Cândida (a freira)». [(Re)ver as duas referências anteriores, em RODRIGUES, 2017 e 2017a.]

            Em carta datável de 18 de dezembro de 1855, o Escritor, logo após a saudação inicial, informa o seu grande amigo vianês:

Não tens já o Album em teu poder, p[o]r q[ue] mo pediu para vê-lo D. Isabel Candida. Irá dep[oi]s de ámanhan.
[Barbosa, [1919]: 4-5. Também em Cabral, 1984 (I): 96]

            JBS terá solicitado, certamente por carta, o tal álbum. E tê-lo-á feito com insistência, face às cartas em que Camilo justifica a sua não devolução, indicando, ao mesmo tempo, as razões por que não corresponde aos pedidos do amigo. [Cf. Cabral, 1984 (I): 79; 81; 83 (e Barbosa, [1919]: 115); 91 (e Barbosa, [1919]: 118]

O álbum terá sido levado, um dia, para o Porto, pelo seu proprietário. Os amigos de ambos (Camilo e JBS) terão querido vê-lo e lê-lo. O Escritor continuava a incentivar e a apoiar a inclinação do amigo vianês para a escrita jornalística e literária, publicando-lhe folhetins e poemas, em jornais de Lisboa e Porto, de que era colaborador ou mesmo diretor. [(Re)ver, em RODRIGUES, 2014]

Também, desta vez, Camilo não pode satisfazer o pedido. O álbum encontrava-se nas mãos da sua amiga freira rica. Em carta datável do mesmo mês de dezembro de 1855, mas posterior a 18, o Escritor sossega, enfim, o amigo de Viana:

            O teu álbum está em meu poder. Não to mando, sem ordem. Bem pode ser que venhas ao Porto, e quererás tê-lo aqui.
[Cabral, 1984 (I): 97. Barbosa, [1919], não reproduz esta carta.]

Este álbum será, possivelmente, aquele em que, na primeira visita que fez aos irmãos Barbosa e Silva, na Páscoa de 1853, Camilo deixou dois textos: um em prosa e outro em verso. [(Re)ver, em RODRIGUES, 2013 e 2013a.] Desse particular caderno deveriam constar outros escritos, do próprio, mas também de outros escritores e/ou jornalistas, de quem seria amigo.

É natural que, nos encontros que mantinha com Isabel Cândida, Camilo tenha falado da vocação para as letras de JBS. Daí que a freira tivesse ficado interessada em também conhecer o álbum do amigo do seu especial amigo.

Mas o que era um álbum, em meados do século XIX?
Eduardo de Faria, no seu dicionário, diz que álbum era nome que se dava, por esse tempo, a certos livros, mais ou menos ricamente encadernados, que eram «um caderno de papel branco, destinado a receber as producções dos artistas: prosa, versos, desenho, musica, etc.». [Faria, 18502 (vol. I): 240] Assim deveria ser, mais ou menos luxuoso, o álbum de JBS. 
Já agora, permitam-me que lhes recorde, a propósito, um soneto que Camilo publicou, em 1886, em Boémia do Espírito. O poema encontra-se no final do subcapítulo «Delicta Senectutis Meaæ» (traduzo: «Delitos da Minha Velhice») e tem o título de «Rabugice», seguido da indicação «(N’um Album)». O Escritor põe em contraste o uso e a função que os poetas faziam dos álbuns, nos seus tempos de juventude e nos tempos da sua "velhice". Ou seja, entre um período de cerca de meio século (princípios de 1840 vs. finais de 1880). Eis o soneto:

Quando eu tinha as viçosas primaveras
do dono d'este escrinio de poesia,
era um pessimo poeta das chimeras
que são a luz dos antros d'esta orgia.

Os albums ja se usavam n'essas eras
que tão longe vão ja!... mas a magia,
as ardentes paixões, fortes, austeras,
não eram como são as de hoje em dia.

O album era um amigo, um confidente
que em si guardava a dor do padecente
como um crystal o aroma de um veneno.

O album é hoje um luxo, um chic inutil,
em que o poeta nos conta, chocho e futil,
como é que amava... quando era pequeno.

[BRANCO, 1886: Bohemia do Espirito. Porto: Livraria Civilisação; p. 133. Respeitada grafia da edição consultada.]


A quarta referência a «D. Isabel Cândida (a freira)», na correspondência de Camilo com JBS, encontra-se na carta, datada de 2 de julho de 1856. Antes da sequência discursivo-textual de despedida, o Escritor revela ao amigo o seguinte:

Eu farei saber à D. Isabel Cândida a tua recomendação e a do Luis. Pagam-lhe uma dívida. Ela pede-me que te agradeça muito muito muito o livro – Lê e relê, posto que tem uma invencível preguiça, contagiosa no Porto. É o maior elogio que ela pode fazer ao teu romance.
[Cabral, 1984 (I): 102. Barbosa, [1919], não reproduz esta carta.]

Tudo leva a crer que as relações de amizade da freira com os dois irmãos Barbosa e Silva, José e Luís, se tivessem, entretanto, desenvolvido e estreitado. Certamente por intermédio e sob a proteção de Camilo, porque os amigos de meu amigo meus amigos são. O prazer e dedicação com que Isabel Cândida, apesar de leitora preguiçosa, lê e agradece o livro de JBS é bem significativo dessa relação. De sublinhar a observação de que «o maior elogio que ela pode fazer» ao romance do amigo de Viana, é lê-lo e relê-lo.

O livro referido no fragmento da carta é Viver para Sofrer – Estudos do Coração, escrito e publicado por JBS. Dedicado aos irmãos, o romance é precedido de um longo prefácio de Camilo, sem título [Branco, 1855: 5-16], mas anunciado no frontispício como «juiso critico». Editado, no Porto, em 1855, o volume, apesar de impresso, «nunca foi posto à venda» - esclarece Xavier Barbosa, sobrinho do novel romancista – acrescentando que «os exemplares que apparecem representam offertas». Barbosa considera, ainda, por um lado, que o prefácio de Camilo é «extenso e encomiástico» e, por outro, que o romance do tio foi «composto no estylo da época». [Barbosa, [1919]: 3-4, nota de rodapé].

Dedicarei, oportunamente, um ou mais “posts” a este Viver para Sofrer – Estudos do Coração e ao seu prefácio ou «Juízo crítico», que Camilo reuniu, depois, no volume Esboços de Apreciações Litterárias, onde figura com o título «José Barbosa e Silva / Viver para Soffrer /(Romance)» [Branco, 1865: 39-49]

Por ora, registemos que amáveis e cordiais continuam as relações de amizade e convívio de Camilo com «D. Isabel Cândida (a freira)». E, ainda que em menor grau, com os irmãos mais novos Barbosa e Silva.

Não se esqueça, paciente leitor, de ir desenhando a imagem ou retrato de Isabel Cândida, com base nas referências epistolares que desta nossa “irmã religiosa” faz o nosso Escritor ao nosso José Barbosa e Silva.
            Até breve!

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora. [À entrada do livro, ao centro de página ímpar (não numerada), encontra-se a seguinte informação: «A propriedade d'este livro pertence ao CULTO CAMILIANO, por generosa dadiva do autor.»]
BRANCO, Camillo Castello, 1886: Bohemia do Espirito. Porto: Livraria Civilisação.
----------------, 1865: Esboços de Apreciações Litterarias. Porto: Viuva Moré.
---------------, 1855: [«Juiso crítico]», prefácio a BARBOSA, 1855: 5-16.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
FARIA, Eduardo, 18502: Novo Diccionario da Lingua Portugueza […] (Vol. I). [Lisboa]: Typographya Lisbonense de José Carlos d’Aguiar Vianna.
RODRIGUES, David F., 2017: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (02)»:  http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-02.html
-----------------, 2017a: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (03): http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-03.html
-----------------, 2014: «Viana & Camilo 008 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [07]: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2014/01/viana-camilo-008.html
-----------------, 2013: «Camilo & Viana 002 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-002.html
-----------------, 2013a: «Camilo & Viana 003 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]»: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-003.html

quarta-feira, 26 de abril de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (03)]


No “post” anterior, transcrevi uma interessante carta de Camilo a José Barbosa e Silva (JBS). [(Re)ver RODRIGUES, 2017a]
Datada de 17 de agosto de 1855, nela, o amigo do Porto pede ao amigo de Viana que diligencie uma «casa de quinta», nas vizinhanças desta cidade, para uma tal D.  Isabel Cândida - «a freira», precisa Camilo, não fosse o destinatário epistolar confundir esta com outras donas de ambos também conhecidas -, casa essa para ela nela passar o mês de setembro e também, a partir daí, «fazer ao Minho algumas excursões».
Informa também Camilo que a Isabel Cândida não importava o preço nem as formas de pagamento. Custasse o que custasse, as suas preferências iam por uma habitação rural simplesmente mobilada, mas que não deixasse de ser «uma aposentadoria mais ou menos romântica».
A freira não viria sozinha. Acompanhá-la-iam três criados, dois do sexo feminino, de «sofríveis fachadas», todavia.
Mas não só: além da criadagem, também Camilo integraria (obrigatoriamente: «eu não vou se ela não vai») a comitiva da conventual. Não obstante, ele ficaria hospedado no Cara de Pau. Nesta estalagem prometia e estimava o Escritor que os três (ele, a freira e o amigo) passassem, após opíparas almoçaradas, agradáveis momentos de lazer e divertimento, de convívio e confraternização, condimentadas também por animadas conversas sobre temas poéticos e literários.

[Já agora, um pedido: sabe o meu paciente leitor onde se situava a hospedaria Cara de Pau? Muito obrigado, desde já, pela informação.]

A realizar-se esta excursão, seria a segunda vez que Camilo visitaria, com alguma demora, as margens da foz do Lima. A primeira, recordo, acontecera já na Páscoa de 1853. [(Re)ver RODRIGUES, 2013 e RODRIGUES, 2013a].

Acontece, porém, que esta projetada e tão desejada visita de 1855 não se concretizou.
Porquê?
A resposta encontra-se na carta que Camilo enviou, em 21 de agosto, a JBS:


                                                   MEU CARO BARBOSA

Queira Deus que o incommodo do teu Luiz[1] tenha passado. O nome que dás á molestia, ao menos na terminação, faz-me crêr q[ue] a estas horas o doente está em ligeira convalescença.
E, portanto, Vianna está tocada! Já se não pode dizer que a virgem do Lima rirá das impurezas das cidades corruptas. Assim o esperei. A bafaragem da Ásia passará mais ou menos atravez de todos os ceos.
Já agora não ponhas diligencias na acquisição da casa p[ar]a D. Isabel. O que ella queria era fugir á colera: se lhe consta o mais pequeno incidente ahi, redobram os sustos por que lhe falta la a assistencia dos medicos em q[ue] ella tem m[ui]ta fé. Eu estou em identicas circumstancias. Decerto não irei, como tanto queria, a banhos. Serei aqui testemunha (se não fôr parte no formidavel processo) da espantosa destruição, cujo incremento há trez dias ameaça um formal assalto dos q[ue]  ultimam[en]te soffre a Espanha. Lembrou-me ir p[ar]a Lx.ª [Lisboa], e tomar banhos em Cascaes; mas a estas horas Lisboa reconheceu a invalidade das prevençoens do Moacho[2].
Hontem fiz entregar 2 exemplares do teu romance[3] na Concordia e Braz Tisana. Espero q[ue] os redactores digam a respeito d’elle o que deve dizer-se de um bom romance. Quando queiras mandar alguns exemplares p[ar]a os rapazes, já sabes q[ue] serão pontualm[en]te entregues.
Ha duas noutes q[ue] o Ferrei[r]a (medico) me visitou ás 2 horas da noute. Suppuz q[ue] tinha a colera: mas era imaginação, resultado de uma visita imprudente q[ue] fiz ao hospital. Vivo mal. Sinto um torpor de corpo, um abatimento de alma q[ue] parece uma profecia m[ui]to funebre…
Ad[eu]s[.] Deixa-me sentir os teus cuid[a]dos por teu mano, e abraça-o da minha parte logo que elle se levante. Poupa-te. Tem m[ui]tos cuidados hygienicos, e alapa-te em Perre[4] logo q[ue] a invasão não seja equivoca.

                                 Teu do coração
        21 d’Agosto de 1855
                                                           Camillo C. Bran.co
[Carta reproduzida em BARBOSA, [1919]: 75-77. Respeitei a grafia da edição consultada, exceto as formas abreviadas, tal como se encontra no autógrafo camiliano. Xavier Barbosa, aliás, regista, no «Proemio» às Cem Cartas de Camillo: «Na transcripção de todas estas cartas escrupulosamente se respeitou a ortographia constante das originaes». (Barbosa, [1919]: (s/paginação). A carta acima trasncrita encontra-se também em CABRAL, 1984 (I): 89.]

[1] Luís Barbosa e Silva (1825-1892) era um dos quatro irmãos de JBS. Na crónica/folhetim «Peregrinação sobre a Face do Globo», depois intitulada «Do Porto a Braga», reunida no volume Duas Horas de Leitura, o Escritor traça «o vulto moral» deste seu também grande amigo vianês. [(Re)ver Rodrigues, 2014]
[2] «Moacho (Matheus Cezario Rodrigues) Doutor em medicina pela Universidade e antigo fisico-mor da India, era por aquelle tempo Fiscal do Conselho de Saude Publica do Reino. Como tal, consoante o art.º 4.º da lei de saude de 3 de Janeiro de 1837, competia-lhe ser o executor das deliberações do referido Conselho, e assignar a correspondencia pelo mesmo expedida; e, assim, sem que elle tivesse qualquer preponderancia sobre os seus outros collegas, só por Moacho apparecem assignados os editaes destinados ao publico e as instrucções e conselhos dirigidos ás auctoridades e corporações administrativas a proposito da colera morbus que então assolava o Reino, sendo provavelmente estas medidas de prophylaxia official as taes prevenções a que Camillo na sua carta alude.» [Barbosa, [1919]: 76, nota de rodapé n.º 7. Respeitada a grafia da edição consultada.]
[3] Trata-se do romance Viver para Sofrer – Estudos do Coração, escrito por JBS, com prefácio («Juiso Crtico») de Camilo, e dedicado aos irmãos. Apesar de impresso, em 1855, o livro nunca foi posto à venda.
[4] «Quinta da Costa em S. Miguel de Perre; o mesmo prediosinho rustico que prendera a attenção de Camillo, quando da sua estada em Vianna pela pascoa de 1853.» [Barbosa, [1919]: 77, nota de rodapé n.º 9. Respeitada a grafia da edição consultada.]


«Mas – perguntar-me-á o (im)paciente leitor – quem é essa freira? E que tem ela a ver com Camilo (ou Camilo com ela), para assim viajarem juntos e juntos gozarem um mês nas vizinhanças de Viana? E logo e necessariamente numa romântica casa de quinta, apenas simplesmente mobilada?!...

Prevejo no leitor um sorrisinho malicioso.
Adiante!

Bem, os autores que têm estudado a vida e a obra de Camilo, melhor dizendo, a vida na sua obra e a obra na sua vida, referem os principais dados biográficos desta D. Isabel Cândida. Poderia fornecer-lhes, aqui e agora, as referências bibliográficas e/ou com base nelas redigir a biografia possível da senhora. Não o farei.
Primeiro, transcreverei (continuarei a transcrever) as cartas (na íntegra ou partes, consoante o interesse estimado para o caso) em que Camilo fala a JBS desta freira, que já sabemos ser materialmente rica, determinada de génio e evidente amiga do Escritor. No final das transcrições, apresentarei, com base nas cartas e nas informações dos biógrafos encartados, os traços principais da sua vida, em particular no que toca às relações com o Escritor.
Entretanto, o leitor, com as informações epistolares fornecidas e/ou delas inferidas, irá construindo uma imagem ou retrato desta nossa “irmã religiosa”. Que, depois, confrontará com a dos seus biógrafos, incluindo a minha.

          Não me parece merecer comentários adicionais a carta acima transcrita, escrita por Camilo em 21 de agosto de 1855, em resposta a carta de JBS (criminosamente destruída, como as outras suas), datada de 19, que por sua vez respondia à carta de 17.
(Como eram rápidos, de facto, os correios, há mais de 150 anos!...)

No próximo “post”, por isso, continuarei a apresentar referências à «D. Isabel Cândida (a freira)», encontradas na correspondência de Camilo para o seu amigo vianês José Barbosa e Silva.

Até lá, vá o leitor (re)lendo Camilo. Por exemplo: se quiser ter uma visão geral e global da obra do Escritor, nas suas diferentes facetas de artista e mestre da palavra, desde os chamados juvenilia, agarre-se à coletânea Camiliana, selecionada, prefaciada e anotada pelo escritor e camilianista José Viale Moutinho, edição do Círculo de Leitores, em quatro grossos e densos volumes, de que já se encontram disponíveis os três primeiros. Nos vols. 1 e 2, encontrará «Todos os contos, novelas curtas e romances breves»; no vol. 3, «Cartas Escolhidas»; para o vol. 4 estão anunciados «Crónicas, textos polémicos e artigos escolhidos».

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora. [À entrada do livro, ao centro de página ímpar (não numerada), encontra-se a seguinte informação: «A propriedade d'este livro pertence ao CULTO CAMILIANO, por generosa dadiva do autor.»]
BRANCO, C. C., 18582: «Do Porto a Braga», em Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
RODRIGUES, David F., 2017: «CAMILO &M VIANA / [1857: “VELHA” COMO “NOVA” (01)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857velha-como-nova-01.html
------------, 2014: «Camilo & os irmãos Barbosa e Silva [12] em Duas Horas de Leitura (1857) [II]: http://vianacamilo.blogspot.pt/2014/11/015.html
------------, 2013a: «Camilo & Viana 003 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]»: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-003.html
----------, 2013: «Camilo & Viana 002 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-002.html

sexta-feira, 21 de abril de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (02)]


          Recordo: na tarde de 7 de abril de 1857, Camilo Castelo Branco chegava à cidade de Viana do Castelo. O jornal A Aurora do Lima dava a notícia de «tão honrosa visita», no dia seguinte. Desta “velha” como “nova” fiz, no “post” anterior, transcrição, seguida de breve comentário. Prometi, no final, complementar e esclarecer aspetos nela referidos que, já na altura, seriam, mais ou menos propositadamente, esquecidos ou deixados na sombra. [(Re)ver em RODRIGUES, 2017]

        Ora, cá estou, para um primeiro suplemento, na esperança de tornar aquela notícia, “velha” de 160 anos, um pouco mais “nova”, isto é, atualizada, sobre as relações de Camilo com Viana.
     Deixando para depois considerações sobre aspetos puramente formais, fixemo-nos nos pontos mais relevantes da peça. Encontram-se eles no primeiro parágrafo, a que, hoje, se poderia chamar, em termos jornalísticos, o lide:

         Chegou hontem de tarde a esta cidade, vindo do Porto, o nosso particular amigo e collega, o Snr. Camillo Castello Branco, que conta, por motivos de saude residir temporariamente nas amenas e risonhas margens do Lima. Este cavalheiro distinguirá com a sua collaboração as columnas d’este jornal.

Quem conhece as cartas que Camilo escreveu ao seu grande e generoso amigo José Barbosa e Silva (JBS) - cofundador, coproprietário e um dos principais impulsionadores e redatores do jornal A Aurora do Lima – saberá ou recordará que:

(i) não era a primeira vez (nem a última), que o Escritor visitava esta cidade;
(ii) a sua vinda não se devia, apenas ou principalmente, a «motivos de saúde»;
(iii) sua intenção não era tão só «residir temporariamente nas amenas e risonhas margens do Lima»;
iv) não era, a partir daquela data, que daria a sua colaboração a este jornal.

Mas saberá ainda mais, o meu leitor, que:

v) a razão principal por que Camilo trocava, segundo a correspondência, o Porto por Viana, era, fundamentalmente, de natureza profissional e económica (monetária), como a seu tempo se verá/lerá.

Quanto a i), está documentado que Camilo já tinha efetuado, antes de 1857, uma primeira visita a Viana do Castelo. Foi na Páscoa de 1853. Abordei já esta visita em dois “posts” – RODRIGUES, 2013 e, sobretudo, RODRIGUES, 2013a – para que remeto.
Sabe-se, por outro lado, que depois de 1857, o Escritor voltou a Viana mais duas vezes, pelo menos. Também destas há testemunhos documentados. Dedicar-lhes-ei, oportunamente, os “posts” necessários.
Mas entre 1853 e 1857, uma outra visita projetou Camilo realizar a Viana. Visita cuja duração não seria de breves dias, mas de um mês. Teve, também por isso, de ser devidamente preparada com o seu grande e confidente amigo JBS. Sublinhei também, porque, desta vez, ao contrário da anterior (a de 1853), Camilo viria acompanhado. Por quem? Já verá/lerá. Começou, por isso, a prepará-la através da carta que, a seguir, transcrevo.
Nota - As relações de Camilo com Viana do Castelo têm sofrido alguns atentados. Além da destruição recente da casa, situada na encosta sul do Monte de Santa Luzia, junto da Capela de S. João d’Arga, onde o Escritor residiu, entre 7 de abril e 29 de maio de 1857, também as cartas que JBS dirigiu ao seu particular e dileto amigo foram - informa Alexandre Cabral - «vandalescamente» destruídas. Pois, «em Ceide não se encontra uma única». [CABRAL, 1984 (I): 41]

Vamos à carta:

MEU BARBOSA

Será possivel o seguinte?
D. Izabel Candida (a freira) com quem me congracei por uma celebre eventualidade, quer passar um mez nas visinhanças de Vianna, e d’ahi fazer ao Minho algumas excursoens. Segundo os estatutos monasticos, não pode estancear se não de passagem em estalagens, e não pode residir. Quer ella, portanto, uma casa de quinta mobilada simples[mente] do q[ue] é propriamente mobilia: paga tudo, acceita todas as condições monetarias. (Estas bravatas pecuniarias estão em harmonia com o genio e as posses da dita). Uma vez me disseste tu q[ue] era possível arranjar-se para mim uma casa como a deseja a D. Izabel. Eu vou para a hospedaria[*]; mas bem quizera que ella por ahi estivesse, por q[ue] verás q[ue] passaremos algumas horas de nonchalante convivencia. Tomaremos banhos, cysnes derrabados, e depois do almoço confortavel como convem a dous Antonuys de estomago, recordaremos, poetas poitrinaires, as decepçoens da infancia, a pouca vergonha das illusoens mentidas como a onda (vide Shakespeare). Pelo q[ue]:
Muito importa q[ue] lances as tuas diligentes medidas, e me digas se se pode contar com a caza nos dias 1 ou 2 de Setembro. Nota, meu caro José, que eu não vou se ella não vai, e ella não vai se tu lhe não preparas la (com a simplicid[ade] que ja te disse) uma aposentadoria m[ais] ou menos romantica. A fam[ilia] d’ella são trez creados, onde domina o sexo feminino com duas soffriveis faxadas. Tive um abraço teu transmitido p[or] Ant[onio] Bernardo. Nas azas da briza da tarde mandei-te um beijo em retribuição. Responde, q[uando] possas, ao teu
Recados a teus manos

17 de Agosto
   de 1855.
                                                      Camillo.
[Carta reproduzida em BARBOSA, [1919]: 74-75. Respeitei a grafia da edição consultada, exceto as formas abreviadas, tal como, certamente, se encontra no autógrafo camiliano. Também em CABRAL, 1984 (I): 87].
* O original desta carta foi visto, lido e transcrito, segundo a ortografia de 1984, por Alexandre Cabral. Este conceituado camilianista observa que «L. Xavier Barbosa permitiu-se alterar o texto do escritor, pondo a palavra hospedaria onde estava Cara de Pau (o nome da hospedaria).» Aqui fica, por isso, o reparo.

         Comentarei esta carta no próximo “post”. Até lá, vá o meu paciente leitor (re)lendo Camilo.




Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora. [À entrada do livro, ao centro de página ímpar (não numerada), encontra-se a seguinte informação: «A propriedade d'este livro pertence ao CULTO CAMILIANO, por generosa dadiva do autor.»]
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
RODRIGUES, David F., 2017: «CAMILO &M VIANA / [1857: “VELHA” COMO “NOVA” (01)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857velha-como-nova-01.html
-----------------, 2013a: «Camilo & Viana 003 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]»: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-003.html
-----------------, 2013: «Camilo & Viana 002 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-002.html

sexta-feira, 7 de abril de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (01)]


Ora façam o favor de ler:

«Chegou hontem de tarde a esta cidade, vindo do Porto, o nosso particular amigo e collega, o Snr. Camillo Castello Branco, que conta, por motivos de saude residir temporariamente nas amenas e risonhas margens do Lima. Este cavalheiro distinguirá com a sua collaboração as columnas d’este jornal.
Seria suspeito á amisade expansiva, tributar como era devido, as boas vindas ao abalisado e primoroso escriptor. A Vianna, á sua illustração, e ao seu nome nas lettras portuguezas, damos nós cordialissimos emboras, pela distinção de tão honrosa visita.
O Snr. Camillo Castello Branco era esperado no caminho por muitos dos seus amigos. Conjuntamente com elle, vinha também o nosso estimavel amigo o Snr. Sant’Anna e Silva, abbade de S. Martinho da Barca, vocação muito esperançosa da eloquencia sagrada, e um dos primeiros ornamentos do pulpito portuense.»
[Cf. Barbosa, [1919]: 78-79. Respeitada grafia da versão consultada que, julgo, será igual à usada no Aurora de 1857.
O mesmo texto, com grafia atualizada (anterior ao AO90), encontra-se também em Anselmo, 1989: 16 e 1993: 119.]

Com esta “nova”, publicada a 08 de abril de 1857, informava o jornal A Aurora do Lima (n.º 195) que Camilo Castelo Branco se encontrava, desde a tarde do dia anterior – 07 de abril de 1857 – em Viana do Castelo, onde tencionava «residir temporariamente».

Faz hoje 160 anos, portanto, que o Escritor começou a viver nas «margens do Lima», oportunidade sendo para, apesar dos pessoais «motivos de saúde», segundo conta a “nova”, «o abalizado e primoroso escritor» distinguir as colunas do ainda jovem periódico (o seu 1.º n.º saiu em 15-12-1855), «com a sua colaboração».


É este um documento relativamente importante sobre as relações estreitas que, a vários níveis e de vária ordem, existiam entre Camilo Castelo Branco e A Aurora do Lima, que o mesmo é dizer (ou melhor dizer), entre o Escritor e os seus grandes amigos vianeses, os irmãos Barbosa e Silva, nomeadamente com o José, o benjamim da família.

Merece, por isso, esta “local”, pelo que revela e – diga-se ,  já então também encobria, leituras que, por um lado, melhor a contextualizem e, por outro, esclareçam alguns aspetos nela referidos, explícita e/ou implicitamente. É o que procurarei fazer, dentro das minhas capacidades e possibilidades, em “posts” futuros.

Referências:
ANSELMO, A., 1989: «Camilo e “A Aurora do Lima”». Rodapé em A Aurora do Lima, n.º 19, de 03/03, p. 1. O autor fez publicar, neste jornal, numa série consecutiva de 7 rodapés, num total de 28 pp., o texto referido abaixo, em Anselmo, 1993. A notícia da chegada de Camilo a Viana encontra-se reproduzida na p. 16 do quarto rodapé.
-----------------, 1993: «Camilo e “A Aurora do Lima”». Camilo Castelo Branco- Jornalismo e Literatura no Séc. XIX (Colóquio promovido pelo Centro de Estudos Camilianos em V. N. de Famalicão, de 13 a 15 de Outubro de 1988). Estudos Camilianos – 3. V. N. de Famalicão: Centro de Estudos Camilianos; pp. 115-123.
BARBOSA, L. X., [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora. [À entrada do livro, ao centro de página ímpar (não numerada), encontra-se a seguinte informação, que pode ser entendida como dedicatória: «A propriedade d'este livro pertence ao CULTO CAMILIANO, por generosa dadiva do autor.»]