quarta-feira, 30 de agosto de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (39)]


Ora aqui tem, paciente leitor, a carta integral anunciada no “post” anterior. Os seus compiladores atribuem-lhe a data de 5 de janeiro de 1857. A ser assim, Camilo escreveu duas cartas a José Barbosa e Silva (JBS) em dois dias consecutivos. A carta precedente, Xavier Barbosa datou-a de 4, como (se) leu, datação possível que Alexandre Cabral não contesta, embora não tenha visto o autógrafo, porque entretanto foi destruído.
A missiva de hoje é, de facto, (mais) um documento epistolar importante, revelador do estado psicológico de Camilo (incluindo a nível afetivo, censurado pelo sobrinho de JBS), em princípios de 1857. E também a nível profissional, em particular, que é neste “velha” como “nova” que mais nos interessa, das renovadas relações do Escritor com o Aurora do Lima.
JBS deve ter apresentado ao amigo do Porto novo convite e nova proposta para que assumisse a direção do jornal, com uma remuneração que, subentende-se, seria irrecusável. O «quartinho», a que Camilo se refere na carta, diz respeito «ao pagamento em dinheiro de colaborações e correspondência a 1$200 réis.» [CABRAL, 1984 (I): 138]
Recorde-se que, em princípios de setembro de 1856, Camilo teve acordado com JBS a sua vinda para Viana, a fim de dirigir e redigir o Aurora. Só que… [(Re)ver “post” e seguintes.]
Eis, assim, a referência

22.ª)
MEU CARO BARBOSA

Agradeço as tuas consolações por que são ellas de q[ue]m precisa ser consolado. Dous infelizes (parece um paradoxo) são os que podem e sabem melhor consolar-se. E’ verdade: eu creio que o meu desalento poderia cobrar forças, se me dessem um horisonte mais largo. Aqui morre-se sem gloria, curtindo dores inconsolaveis, insultados, injuriados todos os dias.
Este eterno Fausto, meu caro Barbosa! Que tremendas solidões as da alma que ergueu em bronze eterno a estatua onde se devem rever todos os desgraçados! Eu tenho inscripto o Goethe no cathalogo dos meus santos.
[Olha: há meses, 2 ou 3, houve uma bela mulher que me chegou à alma. Cuidei que ressurgia! Amei-a tanto, sonhei-a, adorei-a, consubstanciei-a comigo, tracei um caminho de flores no meu porvir com ela. E vai depois, prendo-lhe os olhos e o coração, reconheço-a ferida do mesmo golpe, e instantaneamente vem a desanimação, o gelo, o estado normal! Sabes como se fica depois destas vibrações galvânicas? Se sabes… E era tão linda, tão cheia de sentimentos grandes! Gosto tanto de ler ainda hoje as cartas dela, onde transluz fé, e inocência! Fé em mim!
Bela transição:]
Poderei eu desempenhar o que tu queres? Saberei escrever industria, commercio, e não sei que outras idealidades Osseanicas? Veremos, trabalharei, lerei, p[o]r q[ue] em fim, la torna o Chatterton – é preciso escrever .
O quartinho é bastante, é até de mais, atendendo ao pouco cabedal de estudo que tenho gasto na especialidade. Vou comprar alguns livros, e farei o que fazem as illustrações financeiras e economicas. Ora diz-me: os folhetins «Scenas da Foz» tamb{e]m entram no numero dos escriptos comtemplados? Como fallas em folhetins… Eu tenho trabalhado m[ui]to pouco; tem sido causa a m[inh]a doença utroque júris. O Clamor queixa-se, clama, e não é mais feliz que S. João Bapt[is]ta. Sinto-me em certos dias besta, prodigiosamente burro! Que fazer então? tomo pilulas opiadas, durmo, e desperto com uma dor de estomago, mas como corte de 12 horas na vida!
Deve-se ser bem infeliz quando assim se incurta o pequeno prazo d’ella.
Vou principiar a olhar com mais cuidado p[a]ra a Aurora.
Se eu fosse a Lisboa, como já me lembrou, no mês q[ue] vem, p[a]ra, segundo indicação do A[lexandre] Herculano, negociar ali um editor certo d’algum livro – podia de la mandar-te importantes correspondencias. Veremos. Ainda que vá, não me apeies da tribuna da Aurora. Isto p[o]r ora é projecto, que não terá melhor realização q[ue] os outros.

Teu agradecido am[ig]o
(Porto, 5 de Janeiro de 1857.)
C[amillo] Cast[ello] Branco.

{BARBOSA, [1919]: 27-29 e CABRAL, 1984 (I): 135-136.
Respeitadas grafias das edições consultadas. Na transcrição, desenvolvi formas abreviadas.
O terceiro parágrafo encontra-se apenas em Cabral, 1984 (I).}

Dada a extensão desta carta, comentários, julgados, a meu ler, pertinentes, serão apresentados no próximo “post”. A fim de não sobrecarregar este.

Até ao próximo, então!
E continue a (re)ler Camilo! Por exemplo: Cenas Inocentes da Comédia Humana (1863). Nomeadamente, a novela «A Carteira de um Suicida».

Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camilo Castelo, 19725: Cenas Inocentes da Comédia Humana. Lisboa: Parceria A. M. Pereira.
-------------, 19725: «A Carteira de um Suicida». Em BRANCO, 19725: 143-174. Também em José Viale MOUTINHO (org.), 2016: Camiliana 2 – Todos os Contos, Novelas Curtas e Romances Breves de Camilo Castelo Branco. S/l: Círculo de Leitores; pp. 473-488.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (38)]


O “post” de hoje é breve. Assenta num excerto de uma carta que terá sido destruída. Luís Xavier Barbosa transcreveu-a, parcialmente, nas Cem Cartas de Camillo, de onde Alexandre Cabral a reproduziu, na Correspondência (vol. I), sem ter visto, por isso, o manuscrito. Barbosa data a referida carta de 4 de janeiro de 1857, informação que Cabral não questiona.
Da sua edição truncada, recolho mais um excerto sobre as relações de Camilo com o periódico A Aurora do Lima, via José Barbosa e Silva (JBS). É sobre esta temática a referência

21.ª)
[…]
Podes, depois de annunciar a obra pelo seu titulo e autor, dizer que eu sou o editor. No fim do volume escreverei uma qual[ue]r coisa assinada por mim.
………………………………………………………………………………………………………………………
Eu penso que deixo o país. Não posso trabalhar sem nenhum futuro. […]
[BARBOSA, [1919]: 27. Respeitada grafia da edição consultada.
Na transcrição, desenvolvi formas abreviadas.
Também em CABRAL, 1984 (I): 134.]

Camilo continua a orientar, do Porto, através de cartas, a edição, em livro, da Cenas da Foz, pela empresa Aurora do Lima. É esta a obra literária a que o Escritor se refere na carta e que, assinada com o pseudónimo João Júnior, o jornal vianês vinha publicando, em folhetins, desde 4 de novembro de 856 (n.º  132). [(Re)ver “posts” anteriores.]
À publicação destas Cenas, pelo jornal, em folhetins e em livro, dedicarei, oportunamente, “posts” e/ou artigos futuros.
O último parágrafo transcrito (ideia de deixar o país, porque não pode trabalhar sem nenhum futuro) será esclarecido, na próxima carta de Camilo. Transcrevê-la-ei na íntegra, reveladora que é, a meu ler, do estado psicológico (incluindo o afetivo) e profissional do Escritor, em princípios de 1857. E, logicamente, das suas relações com o Aurora do Lima. Recordo que, três meses depois, a 7 de abril, após (re)nova(da)s negociações, Camilo chegará a Viana, com o objetivo de ser o redator principal deste periódico.

Assim, até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo!

Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora. 
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (37)]


A carta que hoje transcrevo é de «meados de Dezembro de 1856», segundo admite Alexandre Cabral [1984 (I): 134]. Luís Xavier Barbosa não a compilou nas Cem Cartas [1919]. Assim, Camilo terá estado, - estranhamente, direi - à volta de um mês, sem escrever a José Barbosa e Silva (JBS), pois a missiva anterior era de 14 de novembro [(re)ver “post”]. A não ser que cartas, enviadas nesse intervalo de tempo, tenham sido destruídas.
O Escritor, porém, remetia diretamente, como se depreende desta carta, as suas colaborações para a redação d’A Aurora do Lima. A sede deste jornal, naquela data, situava-se muito próxima da residência dos Barbosa e Silva. Ou seja: o jornal estava sediado na Rua D. Luiz (depois de Sacadura Cabral e, mais recentemente, d’A Aurora do Lima), enquanto a casa dos BS ficava na Rua da Piedade, depois Rua de Mateus Barbosa. [Cf. VIANA & BARROSO, 2009: 77 e AUGUSTA D’ALPUIM & VASCONCELOS, 1983: 237 e ss.] Atualmente, a sede do periódico vianês encontra-se na Rua Manuel Espregueira.
Mas vamos à “velha” carta como “nova”. Nela, além das suas ligações ao Aurora e aos amigos de Viana, Camilo continua a expor-se, como homem, jornalista e escritor.

20.ª)
MEU CARO BARBOSA

Não cuidei que o João Júnior levava a Lisboa um raio do seu facho! É uma glória não ser conhecido. Valia muito esse pseudónimo, se nunca descobrissem o verdadeiro nome. O Candidato tem, na opinião pública, mais algum valor do que eu lhe dei numa correspondência que terás recebido. Crê que nem sequer me lembro de que escrevi uma coisa chocha, mas não tão chocha que não seja superior a esta gentalha. São epigramas eleitorais, que vinham melhor cabidos em folhetim. É uma zombaria do sistema repentino, que indignou alguns partidários do charlatanismo. A terra lhe seja leve! [1]
Eu vou escrever alguns artigos económicos – para a Aurora. Penso que devem lá estar 2 Correspondências e um folhetim inéditos. Não tenho acumulado coisas destas, por ver a facilidade da comunicação, e principalmente do romance, é necessário ter à vista a maior parte dos folhetins publicados para não escrever incoerências. Parece-me que farei literatura ao sabor dos paladares corruptos da gentinha que compra um livro para se rir. Que país, Santo Deus! e que posição tão desgraçada a minha! Ainda hoje começo a sentir a condenação de escrever nesta terra por necessidade! Eu espero tirar-me desta vida, por qualquer meio, cuja decência não questiono… [2]
Agradeço-te muito os cuidados que te merece minha filha. Esteve doente em minha Casa; hoje está no colégio. D. Isabel vive apoquentada com a minha rara frequência no convento. Isto vai expirando lentamente: é necessário. Sem ela, eu hoje viveria em Viana, e parece-me que feliz, quanto posso sê-lo. [3]
O Sam de Sza [Sebastião de Sousa] procurou-me uma vez: não me encontrando disse que voltava, e nunca mais! Que homem tão célebre, ou tão misterioso! Quando vejo destas partidas, pasmo, e não discuto. [4]
Recomenda-me a teus manos –
Teu do c.
Camilo C[astello] Br[anc]o.
[15 de Dezembro de 1856]
[CABRAL, 1984 (I): 133. Respeitada grafia da edição consultada.
Carta não transcrita em BARBOSA, [1919.]

[1] Candidato é Um Candidato, «peça [dramática] de Camilo estreada em benefício de Brás Martins. Camilo (isto é, João Júnior) refere-se ao acto n’A Aurora do Lima (n.º 145, de 4/XII/1856)» – informa Alexandre Cabral – de cuja correspondência transcreve:
«Aconselho o C. Castelo Branco que se deixe de ensaiar a sua veia cómica no teatro, porque sinceramente lho dizemos, é extremamente estéril a sua veia. […]
Não sei se o Candidato voltará a desafiar o gosto do respeitável. Agouro-lhe uma tremenda orquestra de tacão.» [CABRAL, 1984 (I): 134, com remissão para «Dispersos, II, 614-616». O referido texto-carta, porém, encontra-se nas pp. 613-615 deste volume. E o seu compilador e anotador é Júlio Dias da Costa (1925). Respeitada grafia da edição consultada. Cf. também CABRAL, 20032: 159-160. A propósito desta indicação bibliográfica, é de corrigir: Camilo não veio para Viana do Castelo a 16, mas sim a 7 de abril de 1857, como se sabe, e cuja notícia no Aurora está na origem desta série de “posts”. (Re)ver AQUI e seguintes.]
O literato jornalista, pela pena do pseudónimo, critica o dramaturgo. Logo a seguir ao último fragmento da orquestra de tacão, escreve (agora cito eu):
«Tres ou quatro phrases felizes não salvam o infortunio das suas invenções chistosas, d’um chiste que poderá captar o riso n’um folhetim, mas provoca o aborrecimento no palco. Entre seiscentas pessoas que intumeciam o theatro, não havia doze que lhe saboreassem os ditos mais ou menos agudos, jogando sempre com as tricas eleitoraes, que estão ao alcance das pessoas vezeiras no genero. Escreva, pois, romances, em quanto a imaginação lh’os dér, mas fuja da provação da scena que lhe póde dar dissabores.» [Cf. COSTA, 1925 (II): 614. Respeitada grafia da edição consultada.]
Mas o correspondente João Júnior não critica apenas o dramaturgo Camilo. Também não gostou da atuação do ator  Taborda [Francisco Alves da Silva Taborda, 1824-1909]. Observa:
«O Taborda, desconhecedor do dialiecto provinciano, entendeu que o mais natural era aproximal-o, quanto podesse, do gallego. A este erro induziram-no talvez as boas auzencias que os lisboetas nos fazem. Nós, lá, os minhotos, somos reputados gallegos, e o snr. Taborda teve a desgraça de arriscar a sua muita habilidade no desempenho d’uma scena de triumpho tanto mais dificil, quanto era duvidoso o merecimento d’ella.» [Cf. id.: ibid.]

[2] Camilo não desiste de estudar e de escrver sobre economia. Já em cartas anteriores se referia a este seu novo interesse. [(Re)ver “posts”, nomeadamente, ESTE e ESTE.] Os artigos económicos prometidos, bem como as duas correspondências e um folhetim inéditos que devem lá [sede do jornal] estar, serão identificados e tratados quando “post(s)” e/ou artigo(s) dedicar às colborações do Escritor n’A Aurora do Lima.

[3] Este parágrafo já foi transcrito e anotado em “post” anterior, a propósito das relações de Camilo com «D. Isabel Cândida (a freira)». [(Re)ver ESTE, entre vários outros.]

[4] Sobre Sebastião de Sousa, (re)ver “post”.

Até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo!

Referências:
AUGUSTA D’ALPUIM, Maria & VASCONCELOS, Maria Emília de, 1983: Casas de Viana Antiga. Viana do Castelo. Centro de Estudos Regionais.
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
------------, 20032: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
COSTA, Júlio Dias da, 1925: Dispersos de Camillo (Vol. II). Coimbra: Imprensa da Universidade.
VIANA, Rui A. Faria & BARROSO, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (36)]


Mais uma carta de Camilo para José Barbosa e Silva (JBS). Ambos os compiladores (Luís Xavier e Barbosa e Alexandre Cabral) a datam de 14 de novembro de 1856. Trata-se, a meu ler, de mais um documento importante sobre as relações do Escritor com o jornal A Aurora do Lima. Revela, ainda, a idiossincrasia e as condições de vida do polígrafo autor, como homem e profissional das letras. Transcrevo-a, por isso, na íntegra. Acompanhá-la-ei, apenas, das notas que considero indispensáveis. Este “post”, todavia, não será leve.
Eis, pois, a referência

19.ª)
MEU CARO BARBOSA

Uma franqueza paga-se com outra.
Tens notado arrefecimento na m[inh]a collaboração para a Aurora do Lima. Não tem sido arrefecim[en]to, é necessidade, e necessidade das mais villans e prosaicas – a dos meios – a subsistencia que depende do trabalho, e nao tem outra fonte, como sabes.
Eu tenho entre mãos um romance principiado na Verdade, ainda em meio, e já vendido. Tenho uma versão dos 5 primeiros l[ivr]os do Tito Livio, incomenda de 7 meses, e apenas principiada. Tenho os folhetins do C[lamor] Público, que me escripturou 3 vezes p[o]r semana, e quase me obriga a escrever diariamente.[1]
E’ necessario renunciar a uma d’estas cousas, por que ha incompatibilid[ad]e de tempo, não posso tanto, e ainda q[ue] podesse não estou resolvido a suicidar-me d’este modo. Antes trôlha.
Renunciando, p[o]r exemplo, á versão latina para escrever com m[ui]to mais prazer na «Aurora do Lima» é vergonha confessal-o, mas eu estou como os operarios que precisam ser pagos em dia. Quando te propuz a venda do romance, estive p[ar]a pedir-te que m’o fizesses logo pagar, para eu dar ao Cruz Cout[inh]o 50$ r[éi]s q[ue] tinha recebido adiantados p[o]r conta do Tito Lívio, e dizer-lhe q[ue] me era impossível escrever a obra. Vê tu como em Portugal está illaqueado um dos escriptores que m[ai]s trabalha. [2]
Vendo que a empresa da Aurora não julgava urgente a m[inh]a paga, vi-me forçado a desviar a attenção para outras cousas, por q[ue] as minhas precisões são d’aquellas que se sentem todos os dias, e não podem espaçar-se. As m[inh]as despesas triplicaram. Alluguei caza, mobilei-a, tenho a pequena n’um collegio, etc., etc. E’ franqueza de m[ai]s, mas tu exigiste-m’a. [3]
Acceito a paga dos 20$ r[éi]s mensaes. Escreverei o m[ai]s e m[ai]s variadamente que possa. (Antes que me esqueça o A. Ferr[eir]a ficou contente com a remessa do jornal – e faz a assignatura).
Se é possivel adiantarem-me o preço do romance p[ar]a eu me desquitar com o Cout[inh]o, é um grande auxílio; se não, esperarei. [4]
Tens entendido bem esta carta? Só a tua amisade me provocaria a revellar-te cousas que vexam a m[inh]a vaidade. Quando me dizem cousas e lousas do meu talento… e me vejo obrigado a escrever cartas destas…
Ad[eu]s. Recados a teus manos e ao S[ebasti]am de S[ou]za. [5]

N. B.

Amanhan receberás originaes. [6]
(Porto, 14 de Novembro de 1856)

  Teu Camillo.

{BARBOSA. [1919]: 25-26. Também em CABRAL, 1984 (I): 131-132.
Respeitada grafia da edição consultada.
Na transcrição, desenvolvi formas abreviadas.}

[1] O romance, ainda em publicação no jornal A Verdade, e já vendido, deve ser, segundo Alexandre Cabral [1984 (I): 132], Lágrimas Abençoadas. Sobre a colaboração e as relações de Camilo com o Verdade e o Clamor, periódicos portuenses, (re)ver “post”, entre outros.
Os cinco primeiros livros do Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.), em tradução, deveriam ser da obra monumental Ab Urbe Condita Libri (Livros desde a Fundação da Cidade). Geralmente designada por Ab Urbe Condita e traduzida por História de Roma, era constituída por 142 livros, repartidos por décadas ou grupos de dez livros. Dos 142, só  35 restam: 1 a 10 e 21 a 45. [Ver AQUI]

[2] António Rodrigues da Cruz Coutinho (1819-1885): «Foi porventura um dos primeiros editores que assegurou a Camilo um trabalho estável, apesar das suas relações terem sido de curta duração: de 1856 a 1859. Durante esse lapso de tempo publicou: Onde Está a Felicidade? [romance], em 1856; Espinhos e Flores [drama], em 2.ª ed., e O Purgatório e o Paraíso [drama], em 1857; A Vingança, O Que Fazem Mulheres e ainda, em 2.as edições, Anátema [romance], A Filha do Arcediago [romance] e Duas Horas de Leitura [narrativas], esta aumentada, em 1858. [CABRAL, 20032: 264.]

[3] Casa e mobília: (re)ver “post”.
Pequena em colégio: trata-se de Bernardina Amélia [1848-1931], filha natural de Patrícia Emília de Barros [1826-1885] e de Camilo [(re)ver “post”, entre outros]; quanto ao colégio, cito, para, logo depois, advertir para lapsos cometidos pelo seu autor:

«Por carta dirigida a José da Silva Barbosa, de Viana, em finais de Janeiro de 1857 sabemos que Bernardina Amélia estudava no Colégio das Taipas; em outra carta de 1 de Abril do mesmo ano, Camilo diz que ela está em casa de D. Eufrásia. / Finalmente, deu entrada no Convento de S. Bento da Avé Maria, como educanda de madre Isabel Cândida Vaz Mourão, com quem Camilo mantinha idílio amoroso.» [FIGUEIRAS, 2002: 18/19]

Lapsos: (i) o destinatário vianês destas cartas chamava-se José Barbosa e Silva e não José da Silva Barbosa; (ii) «em finais de Janeiro de 1857», Camilo, nas cartas enviadas a JBS, não se refere à pequena nem ao colégio onde ela estudava. Fá-lo, sim, em duas cartas de finais de 1856: uma, datável de 14 de novembro – transcrita acima, neste “post” – e outra, datável de 15 de dezembro – a transcrever em próximo.  Em nenhuma delas, porém, menciona o nome do colégio, como se leu e lerá; (iii) a freira Isabel Cândida não seria madre, mas simplesmente soror/irmã; (iv) os biógrafos camilianos indicam que o colégio, onde Camilo tinha a filha, era o convento da Avé Maria, sob a educação e proteção de Isabel Cândida. [(Re)ver, entre outros, “post” 08.]

[4] Camilo aceita a contraproposta que, em nome do Aurora do Lima, JBS lhe terá enviado, sobre a edição, em livro, do romance, isto é, de Cenas da Foz e, ao mesmo tempo, o pagamento da mensalidade pelas colaborações (incluindo os folhetins destas Cenas). [(Re)ver “post”]
A. Ferreira é «seguramente […] Augusto Ferreira», informa Alexandre Cabral, acrescentando que este novo assinante do jornal vianês fora «referenciado por Camilo, sob o pseudónimo de João Júnior, no n.º 149 d’A Aurora do Lima (de 13/XII/1856).» E fornece mais informações sobre este portuense, amigo dos dois amigos. [CABRAL, 1984 (I): 132]

[5] Sobre Sebastião de Sousa, (re)ver “post”.
A propósito dos recados aos manos, cabe referir que, em carta datada de 9 de novembro, Camilo enviara condolências a JBS pela morte, ocorrida no dia 3, de José Duarte Xavier Torres e Silva. Este era cunhado dos Barbosa e Silva, marido de Maria Cândida Barbosa e Silva [1822-1908]. Luís Xavier Barbosa [1849-1925], o compilador das Cem Cartas de Camilo, era seu filho, que não transcreveu a carta camiliana de condolências pela morte do progenitor. [Cf. CABRAL, 1984 (I): 129-130 e VASCONCELOS, 1999]

[6] Que originais? Certamente folhetins da continuação de Cenas da Foz, no Aurora do Lima. Mas também outros textos: artigos, correspondência (cartas) e poemas. Tudo isto até 15 de dezembro de 56, data em que, segundo a transcrição de Alexandre Cabral, Camilo volta a corresponder-se com JBS. [Cf. CABRAL, [1984 (I): 134]
Às colaborações de Camilo, neste periódico vianês, hei de dedicar, oportunamente, artigo(s) e/ou “post(s)”.

Entretanto, até ao próximo! Com a transcrição integral de mais uma carta de Camilo para José Barbosa e Silva.
E continue a (re)ler Camilo!

Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
------------, 20032: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
FIGUEIRAS, Paulo de Passos, 2002: Cartas Inéditas de Camilo Castelo Branco à Filha Bernardina Amélia, ao Genro e à Neta. Porto: Universidade Fernando Pessoa.
VASCONCELOS, Maria Emília Sena de, 1999: «Velhos vultos de Viana». Cadernos Vianenses, Tomo XXV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 45-54.