CAMILO &M
VIANA
[1857: “velha” como “nova” (21)]
Ora, por que
razão, os artigos de Camilo, sobre economia
política, não foram transcritos no Aurora
do Lima?
No excerto
seguinte, encontra-se a resposta, retirado de uma carta para José Barbosa e
Sila (JBS), onde, a propósito, se lê mais uma referência ao tema que me vem
ocupando, a
6.ª)
[…] Nada tenho gosado
com o estudo de ferro que faço em coisas novas, e indispensaveis n’esta materialissima época. A proposito de art[ig]os
industriaes, sou de opinião que os não transcrevas, por que me despedi da Verdade, e tenciono não escrever senão
mais quatro. Os folhetins vão ser
completados no Clamor Público, jornal
que principia a sua ephemera carreira
no mez proximo, e p[ar]a o qual fui escripturado,
até fim de 7[sete]mbro. A rasão da mi[nh]a sahida da Verd[ad]e foi quererem-me mutilar o romance «Lágrimas…» em coisas
ortodoxas p[o]r que estes corruptos entendem que Deus e progresso são entid[ad]es
incompativeis. Tem-me feito cabellos brancos estes alarves[*]!
[… …
… … …
… … …
… … …
… … …
… … … …]
[Esqueci-me dizer-te que o desenho rápido da
casa é excelente.] [**] [Em carta datada de 24/07/1856]
{BARBOSA, [1919]: 11-12. Também
em CABRAL, 1984 (I): 106-107.
Respeitada grafia das edições consultadas.}
[*] Alexandre Cabral
transcreve «alvares».
[**] Este fragmento,
que se encontra no final da carta, foi ignorado por Xavier Barbosa. Já na carta
anterior, havia ignorado uma alusão à
casa. [(Re)ver “post” anterior.]
Os
artigos sobre economia política, designados
industriais nesta carta, não foram
transcritos no Aurora, porque Camilo deixou de escrever n’A Verdade. E despediu-se deste jornal, porque os corruptos (tenham sido eles, por hipértese ou não, alarves ou alvares), que mandavam no periódico, lhe mutilavam o Lágrimas
Abençoadas, romance que, em folhetins, o Escritor vinha também publicando, no
mesmo jornal. Tal como os da «Peregrinação sobre a Face do Globo», recorde-se.
De
(re)ler é, também, para uma explicação mais desenvolvida e exemplificada dessas
razões, segundo a perspetiva do Escritor, a interessantíssima «Carta ao
Proprietario do “Clamor Publico”», Faria das Regras. Júlio Dias da Costa
compilou-a em Dispersos de Camillo (Vol.
II), que, na nota final, informa: «Esta carta foi publicada no Clamor
Público, de 15 de Setembro de 1856». E mais: «Nesse
número, o primeiro do jornal, e só nêle, figura como redactor principal A. B. S. Faria J. das Regras».
E, além de outros mais, ainda este mais, a propósito do Clamor Público: «Nos primeiros números aparece Camilo na
lista dos redactores, com Evaristo Basto, Alexandre Braga e Coelho Lousada.» [COSTA, 1925: 501-507 (carta) e 507 (nota). Também em MOUTINHO, 2016: 241-245]
Regresso ao Lágrimas. Camilo
começou a escrever, a publicar e a ver interrompida a primeira versão deste
romance, então com o título «Temor de Deus» / «Contos Morais», em 1852. A
versão definitiva era a que estava a ser publicada no Verdade. Apesar das vicissitudes por que passou, este romance, «religioso
na essência» - avisa o romancista, dirigindo-se «A quem o ler», em 1853
[BRANCO, 19064: 5 e 10] - acabou por sair em livro, em 1857. [Cf. CABRAL, 20032: 424-425]
Na verdade, o
Verdade, e não só o Clamor, como na carta previa Camilo,
tiveram uma existência efémera. O
primeiro viu a luz em 17/09/55 e apagou-se em 27/12/56. [Cf. CABRAL, 20032: 804]. O segundo durou apenas um ano:
15/09/56 a 30/09/57. [Cf. COSTA,
1925: 528]
Na
carta-folhetim ao proprietário do Clamor, o Escritor
promete ao seu «caro amigo Faria Regras» a seguinte colaboração:
Começarei
publicando a Peregrinação sobre a face do
globo, já principiada noutro jornal. / A sensação que ella fez no paiz, e a
ancia com que pelo mesmo é esperada a conclusão do meu utilíssimo trabalho,
garante ao teu jornal um bôa colheita de assignaturas. [Cf. COSTA, 1925: 505. Respeitada a grafia da edição consultada.]
O outro
jornal, já sabemos, é A Verdade, que
Camilo, satírico, classifica como «sotão, humido e mal-cheiroso», de onde diz
ter saído, «há pouco», «com rheumatismo moral, e estonteamentos de cabeça.» [Cf. COSTA, 1925: 501].
E
mais abaixo, acrescenta:
Depois
da Peregrinação, dou-te um romance,
intitulado: UM HOMEM DE BRIOS: está ligado a outro romance que podes comprar em
casa de Cruz Coutinho; chama-se: ONDE ESTÁ FELICIDADE. / Verás que a felicidade
está no dinheiro, ainda que seja falso.
[Id.: 505-506]
E
remata, assim, o seu compromisso de colaboração com o Clamor:
De
mistura com estas coisas, irão alguns folhetins, se m’os inspirar a praia da
Foz do Douro, onde vou todas s manhãs estudar os segredos do caranguejo, curar
uma paralysia d’alma, e quebrar as pernas nas pedras escorregadias. [Id.: 506-507]
Repare-se
no estudo de ferro que Camilo faz das
coisas novas e indispensáveis [à
profissão de jornalista e escritor, está implícito] nesta materialíssima época.»
De
volta à casa, que bom seria rever o
desenho de que fala na carta. Seria aquela em que o Escritor morou, há 160 anos
(07/04 a 29/05/57), ali junto da capela de S. João d’Arga, na encosta do Monte
de S.ta Luzia, e que foi, há uma dezena de anos [?], destruída?!... Uma
vergonha cultural! Mais uma!
Entretanto, vamos continuando a ler e a entender.
Até ao próximo!
E continue a
(re)ler Camilo.
Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa:
Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, 19064: Lagrimas Abençoadas. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo
Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários
de). Lisboa: Horizonte.
-------------, 20032: Dicionário
de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
COSTA, Júlio Dias da, 1928: Dispersos
de Camillo (Vol. II). Coimbra: Imprensa da Universidade.
MOUTINHO, José Viale, 2016: Camiliana
3 – Cartas Escolhidas de Camilo Castelo Branco. S/l: Círculo de Leitores.
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