CAMILO &M
VIANA
[1857: “velha” como “nova” (23)]
Eis
a carta de Camilo para José Barbosa e Silva, anunciada no “post” anterior.
Trata-se, de facto, de documento importante que mostra que o motivo e o
objetivo principal por que o Escritor veio, em 07 de abril de 1857, para Viana
do Castelo e, aqui, fixar residência, era redigir e dirigir editorialmente o
jornal A Aurora do Lima. E,
profissionalmente, ser remunerado pelos serviços prestados.
Aqui
vai a sua transcrição, que corresponde à referência
9.ª)
Meu Barbosa
Convenho no teu alvitre a respeito da casa. O local indicado é
excelente, mas não venha a aguar-me o prazer do horizonte o nevoeiro, prenhe de
catarros. Se eles são frequentes, será melhor avizinhar-me dos montes. Não o sendo,
faz-me locatário de alguma dessas casas.
Enquanto a móveis, se em
Viana se vendem os indispensáveis para uma mobília económica, é mau governo
levá-los de cá. Se eu quisesse uma decoração rica, então sim; mas eu suspeito
muito que, retirando tu de Viana, me retire eu também com a D. Eufrázia (La
Florêt em 3.ª mão) assentada na entrecarga dos livros. Quantum habeo mecum porto. O que é indispensável é mandares-me fazer
uma estante para livros, de pau barato (castanho ou pinho) sem pinturas e sem
vidraças – com 12 palmos de comprimento, 8 de altura, e seis repartimentos
sendo o primeiro de 2 palmos, e outros progressivamente somenos. Coisa de dois
patacos o máximo.
Enquanto ao anunciar-se o
aumento, e redacção nova do jornal, faz o que achares mais conveniente a bem do
jornal. Mas tu sabes que eu não tenho convicções políticas, e um jornal que se
consagra a este ou àquele governo, não fará comigo grande negaça ao acolhimento
público. A
Aurora não deve ser jornal faccioso:
interesses materiais em geral, e os do distrito em particular: guerra a todos
os tropeços a esse desideratum, e
execução das fórmulas representativas em toda a sua plenitude. Fora disto, é
encher papel com a estulta glória de Horácio: nisi utile est quo facimus… Dá-me hoje para o latim.
E, ainda assim, por mais
útil que o jornal se faça, eu penso que ele será sempre um consumidor de
capital improdutivo. Vejo uma rebentação de jornais provincianos que há-de
fanar-se toda à míngua de seiva. Pensa nisto, se não pensaste ainda. O que está
pactuado entre nós não sirva de coacção.
A correspondência envia-ma
que eu faço publicá-la onde quiseres; mas o Clamor Público que vai ter muitos assinantes aí, e sai no dia 15, será o melhor e
mais digno dela. É redigido por E[varisto] Basto, Alex[andre] Braga, Lousada, e
literariamente por mim. Lá vão recomeçar-se os folhetins da Peregrinação que não deram mais que 10 capítulos; mas os
últimos devem ser a mostarda de muitos narizes. Com mil diabos, disse coisas
que nem eu as entendo!
Sabes que estou muito
doente? não te parece isto da linguagem da carta, pois não? Acredita que me
levanto com febre para escrever-te. O venéreo traz-me estes nervos em completa
desafinação. Adeus. Recados aos rapazes, e um abraço cordial ao Luís do teu
Camilo
[Setembro de
1856]
{CABRAL, 1984 (I): 114-115.
Respeitada grafia da edição consultada.
Não transcrita em BARBOSA,
[1919]}
Deixo,
para o próximo “post”, os comentários que julgar mais pertinentes sobre este
documento. Devo, todavia, observar, desde já, que Alexandre Cabral data esta
carta de «Setembro de 1856». Todavia, é fácil verificar que foi escrita e enviada
antes do dia 15. Camilo diz, nela, que O
Clamor Público «sai» (1.º n.º) neste dia. Além disso, Cabral anota, no seu
comentário à carta, que JBS registou, no respetivo autógrafo, ter respondido ao
amigo, no dia 14 do mesmo mês («“R[esposta] em 14. Viana”»). [Cf. CABRAL,
1985 (I): 115] Terá sido escrita, portanto, também antes
deste dia. Mas, a meu ler, as cartas seguintes ajudarão a melhor datar esta 9ª
referência epistolar, sobre o Aurora e conexos, quando lhes dedicar os “posts”
correspondentes.
Até
ao próximo, então!
E
continue a (re)ler Camilo.
Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa:
Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo
Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários
de). Lisboa: Horizonte.
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