CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (29)]
Camilo,
conforme se leu nos dois “posts” anteriores [23/06 e 28/06/2017], rompeu, unilateral e subitamente,
o que havia pactuado com José Barbosa
e Silva (JBS): ser o redator presencial d’A
Aurora do Lima.
As
relações entre ambos parece não terem sido afetadas: por um lado, o Escritor
não só continuou a publicar no jornal, como aumentou e diversificou a sua
colaboração; por outro, JBS deve ter manifestado, na resposta que, em 14 de
setembro, deu à carta de 11, compreensão pela decisão do amigo. Aliás, o
rompimento das relações com o então já célebre romancista e experiente jornalista
não lhe traria benefícios, tanto para si como, sobretudo, para o Aurora.
Cerca
de oito dias depois, Camilo retoma a correspondência. Escreve a JBS uma carta,
que Alexandre Cabral data de 23/09/56, baseado no «carimbo dos correios»
portuenses, visto no autógrafo, onde também leu: «tem a indicação de
“R[esposta] em Out[ubro] 6”. Viana”.» [CABRAL, 1984 (I): 120-121].
Desta
interessante carta, o excerto (quase toda a missiva) seguinte constitui, neste
“post”, a referência
12.ª)
Já deves possuir três cartas, ou três
estopadas de tiras magras, como o seu autor. Animou-me o teu aplauso, e
continuarei a ser muito regular, não faltando com 2 correspondências, dois
artigos, e alguma poesia própria de folhetim. Escusas, pois, de fazer economias
de tiras. Como continuam cartas do Novais, algum ligeiro trabalho, mas
indispensável, de tua lavra, encherá a folha de modo que não fatigue. Eu hei-de
mandar-te correspondências que farão bulha no Porto, e o jornal será procurado[*]. A próxima que receberes será uma dessas.
Dou uma ensaboadela decente, e reservada no visconde de Vila Nova da Rainha,
insigne pulha. Vi hoje na Aurora um
artigo que coincide com o que deves hoje receber. A matéria não perde com a
repetição. Podes porém fazê-lo preceder das seguintes ou equivalentes linhas:
«Não achamos sobeja censura a que nos é
provocada pelos indecorosos trâmites com que se procura subjugar o espírito
público no mais sagrado dos direitos do povo: a opção dos seus representantes!
A circular do arcipreste de Guimarães será o incentivo dalgumas linhas que
devem adicionar-se ao nosso artigo de sábado 20 de Setembro.»[**]
Quando o jornal aumentar, aumentarei o
trabalho, e crê que não haverá outro que me faça esquecer este.
A respeito de paga, não digo nada. O que
quiserem. Lamento não estar nas circunstâncias de me ofender com a tua
pergunta.[***]
D. Isabel, que estava para recolher ao
Convento, resolveu ir para Lessa. Minha filha está boa. Eu recolho ao Porto em
princípio de Outubro. Estou farto disto, e dou-me mal com o nitro do mar. [****]
{CABRAL,
1984 (I): 120. Respeitada grafia da edição consultada.
Não
transcrita em BARBOSA. [1919].}
[*] Como
se verá, quando tratar os textos que Camilo publicou no Aurora, é a partir da segunda quinzena de setembro de 56 que a sua
colaboração, neste jornal, se torna mais frequente e regular.
[**] Informa
Alexandre Cabral que esta nota enviada por Camilo precede, de facto, «o artigo que
Camilo enviara, a dar “uma ensaboadela decente, e reservada no Visconde de Vila
Nova da Rainha, insigne pulha.”» O referido artigo saiu, «sem assinatura, n’A Aurora do Lima do dia 25/IX/1856 (n.º
116).» Esta análise comparativa contribui também para Cabral datar esta carta de
23 de setembro.
O
«insigne pulha» - esclarece Cabral - de que o Escritor fala não é o «visconde
de Vila Nova da Rainha», mas sim, «sem sombra dúvida, do Visconde de S. Paio
(Gaspar de Azevedo de Araújo e Gama), que era efectivamente o contestado
governador civil de Viana e a Aurora do
Lima atacava sem folgas.» [CABRAL, 1984 (I): 121] Sobre este visconde, ver também “post” publicado em 11/06/2017.
[***]
Trabalho de jornalista, cronista, poeta e romancista pago, evidentemente. Mas
depois da quebra do compromisso acordado, está condescendente: o que quiserem. A escrita era o modo
de vida de Camilo, a sua fonte única de rendimentos.
[****]
D. Isabel Cândida Vaz Mourão, em vez de regressar ao convento portuense de S.
Bento da Avé Maria, foi a banhos para Lessa, diz Camilo. As suas relações
íntimas com esta freira devem ter sofrido um rude golpe com a cena contada na carta anterior e de que resultou, então, a não
vinda do Escritor para Viana e para o Aurora.
Camilo continua a banhos na Foz. Mas farto
disto.
E
depois? Que novidades nos trarão as próximas cartas de Camilo, sobre as suas
relações com JBS e o Aurora do Lima?
Até
ao próximo!
E
continue a (re)ler Camilo. Por exemplo, A
Doida do Candal (1867). Estejam atentos que, aqui e ali, o Escritor troca
os nomes de personagens ou atribui-lhes estados diferentes.
Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem
Cartas de Camillo. Lisboa:
Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com
os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.