quarta-feira, 10 de maio de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (05)]


Até 7 de abril de 1857, dia em que chegou à cidade Viana do Castelo [(Re)ver RODRIGUES, 2017], por razões e finalidades que hei de rever e analisar, o Escritor refere-se a «D. Isabel Cândida (a freira)», em 12 cartas enviadas ao seu amigo vianês José Barbosa e Silva (JBS).
Apresentei já, em “posts” anteriores, três dessas referências, duas delas em cartas que transcrevi na sua versão completas. [(Re)ver RODRIGUES, 2017a; 2017b e 2017c] Restam, portanto, nove.
Prosseguindo na recolha de dados biográficos, na correspondência camiliana referida, que possam ajudar a desenhar o retrato ou imagem desta abastada e dedicada amiga de Camilo, fixar-me-ei, hoje, em mais três excertos epistolares, que transcrevo nas alíneas seguintes:

i) M[inh]a filha está no Collegio. D. Izabel está boa. Dir-lhe-hei que te lembraste d’ella. [Carta datada de 24/07/1856].
Barbosa, [1919]: 12. Também em Cabral, 1984 (I): 107]

ii) D. Izabel está doente, mas não seriam[en]te[.] M[inh]a filha começa a fazer versos! Irra! que annuncio! [Carta datável de 03/08/1856]
[Barbosa, [1919]: 124. Também em Cabral, 1984 (I): 108-109.]

iii) A minha filha está boa; e D. Izabel soffre… parece q[ue] profetisa. Ha de ser-lhe m[ui]to penosa a m[inh]a sahida; mas é força transigir. Eu aqui asfixio. [Carta datável de 07/09/1856]
[Barbosa, [1919]: 15. Também em Cabral, 1984 (I): 116]

             Nestes trechos, correspondendo, certamente, a perguntas e cumprimentos de JBS, Camilo informa, por um lado, sobre o estado de saúde de Isabel Cândida e, por outro, sobre a educação da filha.
Trata-se, a uma primeira leitura, das habituais cortesias trocadas entre amigos na correspondência. Fruto da profunda amizade existente entre os dois homens, as relações de JBS com Isabel Cândida também se terão desenvolvido. A oferta do livro Viver para Sofrer – Estudos do Coração a esta conventual e o elevado apreço e reconhecimento que ela manifestou, via Camilo, pelo romance do estreante romancista vianês, s(er)ão prova disso mesmo. {(Re)ver RODRIGUES, 2017c]

           Ressalta destes excertos que a saúde de Isabel Cândida passou, no tempo aproximado de uma semana, de «boa» para «doente», embora «não seriamente» (i e ii). Mas, ao fim de um mês, Camilo revela a JBS que «D. Isabel sofre». Sofrer, porém, este que lhe parece mais de natureza afetiva que física. Segundo interpreta, a sua amiga freira profetizava a sua saída e afastamento do Porto, facto que lhe causaria muita pena. A religiosa ver-se-ia, assim, privada das visitas do amigo Escritor (iii).

            Mas, para não morrer asfixiado no Porto, embora naquela data se encontrasse a banhos na Foz, para onde partiria Camilo? Para onde, porquê e para quê?
          Resposta a estas e outras questões encontrá-la-á, o paciente leitor, na próxima carta que o Escritor dirigiu a JBS e que, no próximo “post”, será transcrita na sua versão integral. A não perder, por isso e tanto.

            Falta, porém, saber quem é a filha de Camilo, referida nos três excertos. Filha que está num colégio (i), que começou a fazer versos (ii) e que se encontra de boa de saúde (iii).
          Repare-se, antes de mais, que, nos excertos epistolares acima transcritos, as referências a Isabel Cândida seguem ou precedem referências à filha e sempre no mesmo parágrafo. Quer isto dizer que Camilo, ao falar da amiga e abastada freira, se lembrava também da filha e vice-versa.
A este respeito, só mais um exemplo. A referência seguinte precede, no mesmo parágrafo, o excerto da carta de 02/07/1856, que transcrevi no “post” anterior [(Re)ver RODRIGUES, 2017c] e que agora reproduzo em parte:

(iv) O Evaristo tem aqui vindo: Hoje vai jantar com ele a Amélia, por que são os anos da filha mais velha. Eu farei saber à D. Isabel Cândida a tua recomendação e a do Luis. […]. [Carta datada de 02/07/1856]
[Cabral, 1984 (I): 102. Barbosa, [1919], não reproduz esta carta.]

            Pois é: a filha de Camilo, referida nestes excertos epistolares, é Amélia. Melhor: Bernardina Amélia. Na data em que foi jantar com o Evaristo [Basto] (iv), um dos maiores e fiéis amigos do Escritor, esta filha de Camilo tinha 8 anos de idade. É a sua segunda filha, filha natural, pois fruto da relação adulterina que ele teve com Patrícia Emília do Carmo de Barros (1826-1885).
Adulterina?
Sim: adulterina. Camilo, quando se envolveu intensa e conturbadamente com Patrícia Emília (chegaram a fugir e a estar presos), era casado com Joaquina Pereira de França, desde o dia 18/08/1841, de quem ficou viúvo 6 anos depois, em 25/11/1847. Entretanto, 2 anos depois do casamento, em 25/08/1843, nascia a primeira e única filha legítima de Camilo, a quem deram o nome de Rosa. Viveu esta menina pouco mais de 4 anos, pois faleceu em 10/03/1848, isto é, pouco mais de 3 meses após a morte da mãe e pouco mais de 3 meses antes do nascimento da sua meia-irmã Bernardina.
De facto, Bernardina Amélia nasceu a 25/06/1848. Assim, o ato feliz da sua conceção deve ter ocorrido 9 meses antes, num incerto dia de outubro de 1847. Era ainda viva a jovem esposa do jovem marido. Quando se receberam na igreja de Salvador/Ribeira de Pena, Joaquina tinha apenas 15 anos e Camilo apenas 16. Umas crianças, comentar-se-ia. Então e sobretudo hoje.

Maria Pereira de França e Sebastião Martins dos Santos
(Sogros de Camilo) [Em PIMENTEL, 1916: 44]

Camilo nunca quis assumir o seu casamento com Joaquina Pereira de França, embora se possam encontrar, em alguns dos seus escritos, veladas referências. Chegou mesmo, em declarações oficiais, a omitir o seu estado de casado e de viúvo.
Conta Alberto Pimentel (1849-1925), primeiro biógrafo do Escritor, de quem foi dedicado e delicado amigo, a este respeito:

«Quando, tendo-me pedido informações sôbre o trabalho da sua biografia, eu lhe confessei lealmente no Hotel Borges, em Lisboa, que possuia uma certidão do seu primeiro casamento, Camilo retorquiu-me, excitado:
  — Esse casamento foi uma infâmia.»
[PIMENTEL, 1916: 10]

           Bem diferentes foram, contudo, as relações de Camilo com a filha Bernardina Amélia e a mãe Patrícia Emília, como se sabe e/ou há de saber.

Regressando aos três primeiros trechos epistolares acima transcritos, resta(rá) identificar o colégio onde Camilo tinha a filha Bernardina Amélia. Será que tal situação tem alguma coisa a ver com «D. Isabel Cândida (a freira)»?
Talvez a resposta, mais uma, se encontre no próximo “post”.
Até lá, continuem a ler Camilo.

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora. [À entrada do livro, ao centro de página ímpar (não numerada), encontra-se a seguinte informação: «A propriedade d'este livro pertence ao CULTO CAMILIANO, por generosa dadiva do autor.»]
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
PIMENTEL, Alberto, 1916: A Primeira Mulher de Camilo. Lisboa: Guimarães & C.º - Editores.
RODRIGUES, David F., 2017: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (01)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857velha-como-nova-01.html
-----------------, 2017a): «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (02)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-02.html
-----------------, 2017b): «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (03)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-03.html
-----------------, 2017c): «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (04)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-04.html

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