domingo, 30 de abril de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (04)]


             Ora cá estou, de novo, para apresentar, transcrevendo-as, mais duas referências (terceira, já de seguida; quarta, no fim deste “post”) que Camilo faz, nas cartas para o amigo José Barbosa e Silva (JBS) à tal «D. Isabel Cândida (a freira)». [(Re)ver as duas referências anteriores, em RODRIGUES, 2017 e 2017a.]

            Em carta datável de 18 de dezembro de 1855, o Escritor, logo após a saudação inicial, informa o seu grande amigo vianês:

Não tens já o Album em teu poder, p[o]r q[ue] mo pediu para vê-lo D. Isabel Candida. Irá dep[oi]s de ámanhan.
[Barbosa, [1919]: 4-5. Também em Cabral, 1984 (I): 96]

            JBS terá solicitado, certamente por carta, o tal álbum. E tê-lo-á feito com insistência, face às cartas em que Camilo justifica a sua não devolução, indicando, ao mesmo tempo, as razões por que não corresponde aos pedidos do amigo. [Cf. Cabral, 1984 (I): 79; 81; 83 (e Barbosa, [1919]: 115); 91 (e Barbosa, [1919]: 118]

O álbum terá sido levado, um dia, para o Porto, pelo seu proprietário. Os amigos de ambos (Camilo e JBS) terão querido vê-lo e lê-lo. O Escritor continuava a incentivar e a apoiar a inclinação do amigo vianês para a escrita jornalística e literária, publicando-lhe folhetins e poemas, em jornais de Lisboa e Porto, de que era colaborador ou mesmo diretor. [(Re)ver, em RODRIGUES, 2014]

Também, desta vez, Camilo não pode satisfazer o pedido. O álbum encontrava-se nas mãos da sua amiga freira rica. Em carta datável do mesmo mês de dezembro de 1855, mas posterior a 18, o Escritor sossega, enfim, o amigo de Viana:

            O teu álbum está em meu poder. Não to mando, sem ordem. Bem pode ser que venhas ao Porto, e quererás tê-lo aqui.
[Cabral, 1984 (I): 97. Barbosa, [1919], não reproduz esta carta.]

Este álbum será, possivelmente, aquele em que, na primeira visita que fez aos irmãos Barbosa e Silva, na Páscoa de 1853, Camilo deixou dois textos: um em prosa e outro em verso. [(Re)ver, em RODRIGUES, 2013 e 2013a.] Desse particular caderno deveriam constar outros escritos, do próprio, mas também de outros escritores e/ou jornalistas, de quem seria amigo.

É natural que, nos encontros que mantinha com Isabel Cândida, Camilo tenha falado da vocação para as letras de JBS. Daí que a freira tivesse ficado interessada em também conhecer o álbum do amigo do seu especial amigo.

Mas o que era um álbum, em meados do século XIX?
Eduardo de Faria, no seu dicionário, diz que álbum era nome que se dava, por esse tempo, a certos livros, mais ou menos ricamente encadernados, que eram «um caderno de papel branco, destinado a receber as producções dos artistas: prosa, versos, desenho, musica, etc.». [Faria, 18502 (vol. I): 240] Assim deveria ser, mais ou menos luxuoso, o álbum de JBS. 
Já agora, permitam-me que lhes recorde, a propósito, um soneto que Camilo publicou, em 1886, em Boémia do Espírito. O poema encontra-se no final do subcapítulo «Delicta Senectutis Meaæ» (traduzo: «Delitos da Minha Velhice») e tem o título de «Rabugice», seguido da indicação «(N’um Album)». O Escritor põe em contraste o uso e a função que os poetas faziam dos álbuns, nos seus tempos de juventude e nos tempos da sua "velhice". Ou seja, entre um período de cerca de meio século (princípios de 1840 vs. finais de 1880). Eis o soneto:

Quando eu tinha as viçosas primaveras
do dono d'este escrinio de poesia,
era um pessimo poeta das chimeras
que são a luz dos antros d'esta orgia.

Os albums ja se usavam n'essas eras
que tão longe vão ja!... mas a magia,
as ardentes paixões, fortes, austeras,
não eram como são as de hoje em dia.

O album era um amigo, um confidente
que em si guardava a dor do padecente
como um crystal o aroma de um veneno.

O album é hoje um luxo, um chic inutil,
em que o poeta nos conta, chocho e futil,
como é que amava... quando era pequeno.

[BRANCO, 1886: Bohemia do Espirito. Porto: Livraria Civilisação; p. 133. Respeitada grafia da edição consultada.]


A quarta referência a «D. Isabel Cândida (a freira)», na correspondência de Camilo com JBS, encontra-se na carta, datada de 2 de julho de 1856. Antes da sequência discursivo-textual de despedida, o Escritor revela ao amigo o seguinte:

Eu farei saber à D. Isabel Cândida a tua recomendação e a do Luis. Pagam-lhe uma dívida. Ela pede-me que te agradeça muito muito muito o livro – Lê e relê, posto que tem uma invencível preguiça, contagiosa no Porto. É o maior elogio que ela pode fazer ao teu romance.
[Cabral, 1984 (I): 102. Barbosa, [1919], não reproduz esta carta.]

Tudo leva a crer que as relações de amizade da freira com os dois irmãos Barbosa e Silva, José e Luís, se tivessem, entretanto, desenvolvido e estreitado. Certamente por intermédio e sob a proteção de Camilo, porque os amigos de meu amigo meus amigos são. O prazer e dedicação com que Isabel Cândida, apesar de leitora preguiçosa, lê e agradece o livro de JBS é bem significativo dessa relação. De sublinhar a observação de que «o maior elogio que ela pode fazer» ao romance do amigo de Viana, é lê-lo e relê-lo.

O livro referido no fragmento da carta é Viver para Sofrer – Estudos do Coração, escrito e publicado por JBS. Dedicado aos irmãos, o romance é precedido de um longo prefácio de Camilo, sem título [Branco, 1855: 5-16], mas anunciado no frontispício como «juiso critico». Editado, no Porto, em 1855, o volume, apesar de impresso, «nunca foi posto à venda» - esclarece Xavier Barbosa, sobrinho do novel romancista – acrescentando que «os exemplares que apparecem representam offertas». Barbosa considera, ainda, por um lado, que o prefácio de Camilo é «extenso e encomiástico» e, por outro, que o romance do tio foi «composto no estylo da época». [Barbosa, [1919]: 3-4, nota de rodapé].

Dedicarei, oportunamente, um ou mais “posts” a este Viver para Sofrer – Estudos do Coração e ao seu prefácio ou «Juízo crítico», que Camilo reuniu, depois, no volume Esboços de Apreciações Litterárias, onde figura com o título «José Barbosa e Silva / Viver para Soffrer /(Romance)» [Branco, 1865: 39-49]

Por ora, registemos que amáveis e cordiais continuam as relações de amizade e convívio de Camilo com «D. Isabel Cândida (a freira)». E, ainda que em menor grau, com os irmãos mais novos Barbosa e Silva.

Não se esqueça, paciente leitor, de ir desenhando a imagem ou retrato de Isabel Cândida, com base nas referências epistolares que desta nossa “irmã religiosa” faz o nosso Escritor ao nosso José Barbosa e Silva.
            Até breve!

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora. [À entrada do livro, ao centro de página ímpar (não numerada), encontra-se a seguinte informação: «A propriedade d'este livro pertence ao CULTO CAMILIANO, por generosa dadiva do autor.»]
BRANCO, Camillo Castello, 1886: Bohemia do Espirito. Porto: Livraria Civilisação.
----------------, 1865: Esboços de Apreciações Litterarias. Porto: Viuva Moré.
---------------, 1855: [«Juiso crítico]», prefácio a BARBOSA, 1855: 5-16.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
FARIA, Eduardo, 18502: Novo Diccionario da Lingua Portugueza […] (Vol. I). [Lisboa]: Typographya Lisbonense de José Carlos d’Aguiar Vianna.
RODRIGUES, David F., 2017: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (02)»:  http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-02.html
-----------------, 2017a: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (03): http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-03.html
-----------------, 2014: «Viana & Camilo 008 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [07]: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2014/01/viana-camilo-008.html
-----------------, 2013: «Camilo & Viana 002 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-002.html
-----------------, 2013a: «Camilo & Viana 003 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]»: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-003.html

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