CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (09)]
O paciente leitor deste blogue já construiu,
estou certo, um retrato de «D. Isabel Cândida (a freira)». Fê-lo, segundo
desejei, a partir da leitura das cartas que, longa ou ocasionalmente, à
religiosa se referindo, Camilo enviou a José Barbosa e Silva (JBS). Mas se,
além disso, a sua natural sede sobre a vida desta conventual e suas relações
com o Escritor foi saciar também a outras fontes, permita-me que o felicite por
isso.
Ressalta da leitura das 14 referências
epistolares transcritas (sobretudo das três cartas integrais, sem, contudo, menosprezar os 11 fragmentos), que
Isabel Cândida era uma freira, economicamente abastada. Pertencia a uma
determinada ordem religiosa, cujo convento se situava na cidade do Porto. Passaria,
porém, dias mais ou menos prolongados fora do convento, em propriedade(s) que
possuiria na cidade e/ou arredores. Segundo os estatutos da ordem monástica a
que pertencia, não podia demorar-se em estalagens. Mas ela era rica, gostava de
passear e conviver. Estanciava, por isso, em casas que arrendaria noutras
localidades, acompanhada dos seus criados, onde confraternizaria com os amigos
que a visitavam.
Um
desses amigos foi, como lemos, Camilo. Os contactos entre ambos estabelecidos
aprofundou a amizade entre ambos: enamoraram-se e tonaram-se amantes. Fruto das
conversas que foram tendo sobre as vidas passadas de cada um e eventuais
projetos de vida futura, Camilo há de ter revelado à apaixonada freira que era
pai natural de uma menina. Esta revelação terá despertado os sentimentos de
maternidade na amante e, ao mesmo tempo, fortalecido o amor que dedicava ao
Escritor. Isabel Cândida ter-se-á oferecido, então, para educar a filha do
amante – Bernardina Amélia – acolhendo-a
no convento e nas suas propriedades seculares.
A paixão entre a freira e o Escritor terá
atingido um dos seus pontos altos em 1855, ano em que ambos estiveram para vir
gozar o mês de setembro em Viana do Castelo, com passeios pelo Minho e animadas
conversas literárias, juntamente com JBS, na hospedaria vianesa Cara de Pau, onde Camilo ficaria
instalado. Ela, com seus criados, iria para uma quinta simplesmente mobilada,
nos vizinhanças da cidade. As custas da
quinta e da hospedagem - tudo - seriam
pagas pela abastada monja. Receando, porém, que a epidemia de cólera, que então
atravessava a Europa, invadisse também a
virgem do Lima, o plano de aqui gozar um aprazível mês de setembro foi pela
água abaixo. Mas, por intermédio e com o beneplácito do Escritor, Isabel
Cândida estabeleceu laços de amizade com dois irmãos Barbosa e Silva, o Luís e
o José. Sobretudo com este último, que lhe havia oferecido o romance, de que
era autor, Viver para Sofrer (1855). A
freira deveria sentir, como outras mulheres suas contemporâneas, uma atração
especial por poetas e folhetinistas.
Entretanto, sem nada revelar à amante, Camilo
negociava, com JBS, uma vinda para Viana, a fim de ocupar o cargo, remunerado,
de redator do jornal A Aurora do Lima.
A freira, porém, ia profetizando que
o amante iria abandonar o Porto. Até que, um dia, certa das secretas intenções
do amante, acusa-o virulentamente de
ingratidão, passando, de seguida, à
mansidão das lágrimas suplicantes. A dramática cena deu-se, no convento, em
11 de setembro de 1856, na presença da Bernardina Amélia, também ela banhada em
lágrimas. O Escritor comoveu-se. Regressa à Foz, onde ainda se encontrava a banhos,
com os restos do seu coração atravessados
numa roda de navalhas. Cedeu. Propõe-se, então, dirigir a A Aurora a partir do Porto, contentando-se em receber, como paga, o que
receberia qualquer redator que para Viana viesse.
A partir daquele dia, a paixão amorosa
entre os amantes entra em acelerado declínio. A 7 de abril de 1857, Camilo chega,
enfim, a Viana, para se dedicar, a tempo inteiro, à redação d’A Aurora, ainda que a notícia publicada
no jornal, no dia seguinte, não seja clara a tal respeito. Propositadamente,
como se lerá.
Não obstante, a freira Isabel Cândida e o
novelista Camilo continuaram amigos, embora afetivamente cada vez mais
distantes. Bernardina Amélia continuou, efetivamente, a ser educada e protegida,
a frequentar o convento e a(s) casa(s) secular(es) da amiga religiosa.
Esta é a biografia de «D. Isabel Cândida (a
freira)» que, com base, apenas, na leitura e interpretação das referências
epistolares enviadas a JBS, aqui deixo à consideração do paciente leitor. No próximo
“post”, acrescentarei outros dados biográficos sobre esta religiosa, mulher com quem Camilo
manteve uma das mais longas relações de amizade e amor. Ou vice-versa.
Entretanto, continue a ler Camilo. Por
exemplo: Vingança, romance publicado
em 1858. Aquele onde o escritor mais se expõe biograficamente.
Transfigurado, evidentemente. Até aquela data.
Até ao próximo.
Referências:
RODRIGUES, David F.,
2017: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (01)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857velha-como-nova-01.html
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2017a: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (02)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-02.html
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2017b: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (03)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-03.html
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2017c: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (04)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857-velha-como-nova-04.html
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2017d: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (05): http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/05/camilo-viana-1857velha-como-nova-05.html
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2017e: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (06): http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/05/camilo-viana-1857-velha-como-nova-06.html
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2017g: «CAMILO &M VIANA / [1857: “velha” como “nova” (08): http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/05/camilo-viana-1857-velha-como-nova-08.html
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