quarta-feira, 26 de abril de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (03)]


No “post” anterior, transcrevi uma interessante carta de Camilo a José Barbosa e Silva (JBS). [(Re)ver RODRIGUES, 2017a]
Datada de 17 de agosto de 1855, nela, o amigo do Porto pede ao amigo de Viana que diligencie uma «casa de quinta», nas vizinhanças desta cidade, para uma tal D.  Isabel Cândida - «a freira», precisa Camilo, não fosse o destinatário epistolar confundir esta com outras donas de ambos também conhecidas -, casa essa para ela nela passar o mês de setembro e também, a partir daí, «fazer ao Minho algumas excursões».
Informa também Camilo que a Isabel Cândida não importava o preço nem as formas de pagamento. Custasse o que custasse, as suas preferências iam por uma habitação rural simplesmente mobilada, mas que não deixasse de ser «uma aposentadoria mais ou menos romântica».
A freira não viria sozinha. Acompanhá-la-iam três criados, dois do sexo feminino, de «sofríveis fachadas», todavia.
Mas não só: além da criadagem, também Camilo integraria (obrigatoriamente: «eu não vou se ela não vai») a comitiva da conventual. Não obstante, ele ficaria hospedado no Cara de Pau. Nesta estalagem prometia e estimava o Escritor que os três (ele, a freira e o amigo) passassem, após opíparas almoçaradas, agradáveis momentos de lazer e divertimento, de convívio e confraternização, condimentadas também por animadas conversas sobre temas poéticos e literários.

[Já agora, um pedido: sabe o meu paciente leitor onde se situava a hospedaria Cara de Pau? Muito obrigado, desde já, pela informação.]

A realizar-se esta excursão, seria a segunda vez que Camilo visitaria, com alguma demora, as margens da foz do Lima. A primeira, recordo, acontecera já na Páscoa de 1853. [(Re)ver RODRIGUES, 2013 e RODRIGUES, 2013a].

Acontece, porém, que esta projetada e tão desejada visita de 1855 não se concretizou.
Porquê?
A resposta encontra-se na carta que Camilo enviou, em 21 de agosto, a JBS:


                                                   MEU CARO BARBOSA

Queira Deus que o incommodo do teu Luiz[1] tenha passado. O nome que dás á molestia, ao menos na terminação, faz-me crêr q[ue] a estas horas o doente está em ligeira convalescença.
E, portanto, Vianna está tocada! Já se não pode dizer que a virgem do Lima rirá das impurezas das cidades corruptas. Assim o esperei. A bafaragem da Ásia passará mais ou menos atravez de todos os ceos.
Já agora não ponhas diligencias na acquisição da casa p[ar]a D. Isabel. O que ella queria era fugir á colera: se lhe consta o mais pequeno incidente ahi, redobram os sustos por que lhe falta la a assistencia dos medicos em q[ue] ella tem m[ui]ta fé. Eu estou em identicas circumstancias. Decerto não irei, como tanto queria, a banhos. Serei aqui testemunha (se não fôr parte no formidavel processo) da espantosa destruição, cujo incremento há trez dias ameaça um formal assalto dos q[ue]  ultimam[en]te soffre a Espanha. Lembrou-me ir p[ar]a Lx.ª [Lisboa], e tomar banhos em Cascaes; mas a estas horas Lisboa reconheceu a invalidade das prevençoens do Moacho[2].
Hontem fiz entregar 2 exemplares do teu romance[3] na Concordia e Braz Tisana. Espero q[ue] os redactores digam a respeito d’elle o que deve dizer-se de um bom romance. Quando queiras mandar alguns exemplares p[ar]a os rapazes, já sabes q[ue] serão pontualm[en]te entregues.
Ha duas noutes q[ue] o Ferrei[r]a (medico) me visitou ás 2 horas da noute. Suppuz q[ue] tinha a colera: mas era imaginação, resultado de uma visita imprudente q[ue] fiz ao hospital. Vivo mal. Sinto um torpor de corpo, um abatimento de alma q[ue] parece uma profecia m[ui]to funebre…
Ad[eu]s[.] Deixa-me sentir os teus cuid[a]dos por teu mano, e abraça-o da minha parte logo que elle se levante. Poupa-te. Tem m[ui]tos cuidados hygienicos, e alapa-te em Perre[4] logo q[ue] a invasão não seja equivoca.

                                 Teu do coração
        21 d’Agosto de 1855
                                                           Camillo C. Bran.co
[Carta reproduzida em BARBOSA, [1919]: 75-77. Respeitei a grafia da edição consultada, exceto as formas abreviadas, tal como se encontra no autógrafo camiliano. Xavier Barbosa, aliás, regista, no «Proemio» às Cem Cartas de Camillo: «Na transcripção de todas estas cartas escrupulosamente se respeitou a ortographia constante das originaes». (Barbosa, [1919]: (s/paginação). A carta acima trasncrita encontra-se também em CABRAL, 1984 (I): 89.]

[1] Luís Barbosa e Silva (1825-1892) era um dos quatro irmãos de JBS. Na crónica/folhetim «Peregrinação sobre a Face do Globo», depois intitulada «Do Porto a Braga», reunida no volume Duas Horas de Leitura, o Escritor traça «o vulto moral» deste seu também grande amigo vianês. [(Re)ver Rodrigues, 2014]
[2] «Moacho (Matheus Cezario Rodrigues) Doutor em medicina pela Universidade e antigo fisico-mor da India, era por aquelle tempo Fiscal do Conselho de Saude Publica do Reino. Como tal, consoante o art.º 4.º da lei de saude de 3 de Janeiro de 1837, competia-lhe ser o executor das deliberações do referido Conselho, e assignar a correspondencia pelo mesmo expedida; e, assim, sem que elle tivesse qualquer preponderancia sobre os seus outros collegas, só por Moacho apparecem assignados os editaes destinados ao publico e as instrucções e conselhos dirigidos ás auctoridades e corporações administrativas a proposito da colera morbus que então assolava o Reino, sendo provavelmente estas medidas de prophylaxia official as taes prevenções a que Camillo na sua carta alude.» [Barbosa, [1919]: 76, nota de rodapé n.º 7. Respeitada a grafia da edição consultada.]
[3] Trata-se do romance Viver para Sofrer – Estudos do Coração, escrito por JBS, com prefácio («Juiso Crtico») de Camilo, e dedicado aos irmãos. Apesar de impresso, em 1855, o livro nunca foi posto à venda.
[4] «Quinta da Costa em S. Miguel de Perre; o mesmo prediosinho rustico que prendera a attenção de Camillo, quando da sua estada em Vianna pela pascoa de 1853.» [Barbosa, [1919]: 77, nota de rodapé n.º 9. Respeitada a grafia da edição consultada.]


«Mas – perguntar-me-á o (im)paciente leitor – quem é essa freira? E que tem ela a ver com Camilo (ou Camilo com ela), para assim viajarem juntos e juntos gozarem um mês nas vizinhanças de Viana? E logo e necessariamente numa romântica casa de quinta, apenas simplesmente mobilada?!...

Prevejo no leitor um sorrisinho malicioso.
Adiante!

Bem, os autores que têm estudado a vida e a obra de Camilo, melhor dizendo, a vida na sua obra e a obra na sua vida, referem os principais dados biográficos desta D. Isabel Cândida. Poderia fornecer-lhes, aqui e agora, as referências bibliográficas e/ou com base nelas redigir a biografia possível da senhora. Não o farei.
Primeiro, transcreverei (continuarei a transcrever) as cartas (na íntegra ou partes, consoante o interesse estimado para o caso) em que Camilo fala a JBS desta freira, que já sabemos ser materialmente rica, determinada de génio e evidente amiga do Escritor. No final das transcrições, apresentarei, com base nas cartas e nas informações dos biógrafos encartados, os traços principais da sua vida, em particular no que toca às relações com o Escritor.
Entretanto, o leitor, com as informações epistolares fornecidas e/ou delas inferidas, irá construindo uma imagem ou retrato desta nossa “irmã religiosa”. Que, depois, confrontará com a dos seus biógrafos, incluindo a minha.

          Não me parece merecer comentários adicionais a carta acima transcrita, escrita por Camilo em 21 de agosto de 1855, em resposta a carta de JBS (criminosamente destruída, como as outras suas), datada de 19, que por sua vez respondia à carta de 17.
(Como eram rápidos, de facto, os correios, há mais de 150 anos!...)

No próximo “post”, por isso, continuarei a apresentar referências à «D. Isabel Cândida (a freira)», encontradas na correspondência de Camilo para o seu amigo vianês José Barbosa e Silva.

Até lá, vá o leitor (re)lendo Camilo. Por exemplo: se quiser ter uma visão geral e global da obra do Escritor, nas suas diferentes facetas de artista e mestre da palavra, desde os chamados juvenilia, agarre-se à coletânea Camiliana, selecionada, prefaciada e anotada pelo escritor e camilianista José Viale Moutinho, edição do Círculo de Leitores, em quatro grossos e densos volumes, de que já se encontram disponíveis os três primeiros. Nos vols. 1 e 2, encontrará «Todos os contos, novelas curtas e romances breves»; no vol. 3, «Cartas Escolhidas»; para o vol. 4 estão anunciados «Crónicas, textos polémicos e artigos escolhidos».

Referências:
BARBOSA, L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora. [À entrada do livro, ao centro de página ímpar (não numerada), encontra-se a seguinte informação: «A propriedade d'este livro pertence ao CULTO CAMILIANO, por generosa dadiva do autor.»]
BRANCO, C. C., 18582: «Do Porto a Braga», em Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
RODRIGUES, David F., 2017: «CAMILO &M VIANA / [1857: “VELHA” COMO “NOVA” (01)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857velha-como-nova-01.html
------------, 2014: «Camilo & os irmãos Barbosa e Silva [12] em Duas Horas de Leitura (1857) [II]: http://vianacamilo.blogspot.pt/2014/11/015.html
------------, 2013a: «Camilo & Viana 003 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]»: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-003.html
----------, 2013: «Camilo & Viana 002 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-002.html

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