CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (02)]
Recordo: na tarde de 7 de abril de 1857, Camilo Castelo Branco chegava à cidade de Viana do Castelo. O jornal A Aurora do Lima dava a notícia de «tão honrosa visita», no dia seguinte. Desta “velha” como “nova” fiz, no “post” anterior, transcrição, seguida de breve comentário. Prometi, no final, complementar e esclarecer aspetos nela referidos que, já na altura, seriam, mais ou menos propositadamente, esquecidos ou deixados na sombra. [(Re)ver em RODRIGUES, 2017]
Ora, cá estou, para um primeiro suplemento, na esperança de tornar
aquela notícia, “velha” de 160 anos, um pouco mais “nova”, isto é, atualizada,
sobre as relações de Camilo com Viana.
Deixando para depois considerações
sobre aspetos puramente formais, fixemo-nos nos pontos mais relevantes da peça.
Encontram-se eles no primeiro parágrafo, a que, hoje, se poderia chamar, em
termos jornalísticos, o lide:
Chegou hontem de tarde a esta cidade, vindo do Porto,
o nosso particular amigo e collega, o Snr. Camillo Castello Branco, que conta,
por motivos de saude residir temporariamente nas amenas e risonhas margens do
Lima. Este cavalheiro distinguirá com a sua collaboração as columnas d’este
jornal.
Quem conhece as cartas que Camilo escreveu ao seu grande
e generoso amigo José Barbosa e Silva (JBS) - cofundador, coproprietário e um
dos principais impulsionadores e redatores do jornal A Aurora do Lima – saberá ou recordará que:
(i) não era a
primeira vez (nem a última), que o Escritor visitava esta cidade;
(ii) a sua vinda não
se devia, apenas ou principalmente, a «motivos de saúde»;
(iii) sua intenção
não era tão só «residir temporariamente nas amenas e risonhas margens do Lima»;
iv) não era, a partir
daquela data, que daria a sua colaboração a este jornal.
Mas saberá ainda mais, o meu leitor, que:
v) a razão principal
por que Camilo trocava, segundo a correspondência, o Porto por Viana, era, fundamentalmente,
de natureza profissional e económica (monetária), como a seu tempo se
verá/lerá.
Quanto a i), está documentado que Camilo já tinha efetuado,
antes de 1857, uma primeira visita a Viana do Castelo. Foi na Páscoa de 1853.
Abordei já esta visita em dois “posts” – RODRIGUES, 2013 e, sobretudo, RODRIGUES,
2013a – para que remeto.
Sabe-se, por outro lado, que depois de 1857, o
Escritor voltou a Viana mais duas vezes, pelo menos. Também destas há
testemunhos documentados. Dedicar-lhes-ei, oportunamente, os “posts”
necessários.
Mas entre 1853 e 1857, uma outra visita projetou
Camilo realizar a Viana. Visita cuja duração não seria de breves dias, mas de
um mês. Teve, também por isso, de ser devidamente preparada com o seu
grande e confidente amigo JBS. Sublinhei também, porque, desta vez, ao
contrário da anterior (a de 1853), Camilo viria acompanhado. Por quem? Já
verá/lerá. Começou, por isso, a prepará-la através da carta que, a seguir, transcrevo.
Nota
- As relações de Camilo com
Viana do Castelo têm sofrido alguns atentados. Além da destruição recente da
casa, situada na encosta sul do Monte de Santa Luzia, junto da Capela de S.
João d’Arga, onde o Escritor residiu, entre 7 de abril e 29 de maio de 1857, também
as cartas que JBS dirigiu ao seu particular e dileto amigo foram - informa
Alexandre Cabral - «vandalescamente» destruídas. Pois, «em Ceide não se
encontra uma única». [CABRAL, 1984 (I): 41]
Vamos à carta:
MEU BARBOSA
Será possivel o seguinte?
D. Izabel Candida (a freira) com quem me congracei por
uma celebre eventualidade, quer passar um mez nas visinhanças de Vianna, e d’ahi
fazer ao Minho algumas excursoens. Segundo os estatutos monasticos, não pode
estancear se não de passagem em estalagens, e não pode residir. Quer ella,
portanto, uma casa de quinta mobilada simples[mente] do q[ue] é propriamente
mobilia: paga tudo, acceita todas as condições monetarias. (Estas bravatas pecuniarias
estão em harmonia com o genio e as posses da dita). Uma vez me disseste tu
q[ue] era possível arranjar-se para mim uma casa como a deseja a D. Izabel. Eu
vou para a hospedaria[*]; mas bem quizera que ella por ahi
estivesse, por q[ue] verás q[ue] passaremos algumas horas de nonchalante convivencia. Tomaremos
banhos, cysnes derrabados, e depois do almoço confortavel como convem a dous
Antonuys de estomago, recordaremos, poetas poitrinaires,
as decepçoens da infancia, a pouca vergonha das illusoens mentidas como a onda (vide Shakespeare). Pelo q[ue]:
Muito importa q[ue] lances as tuas diligentes medidas,
e me digas se se pode contar com a caza nos dias 1 ou 2 de Setembro. Nota, meu
caro José, que eu não vou se ella não vai, e ella não vai se tu lhe não
preparas la (com a simplicid[ade] que ja te disse) uma aposentadoria m[ais] ou
menos romantica. A fam[ilia] d’ella são trez creados, onde domina o sexo
feminino com duas soffriveis faxadas. Tive um abraço teu transmitido p[or]
Ant[onio] Bernardo. Nas azas da briza da tarde mandei-te um beijo em retribuição.
Responde, q[uando] possas, ao teu
Recados a teus manos
17 de Agosto
de 1855.
Camillo.
[Carta reproduzida em BARBOSA, [1919]: 74-75. Respeitei
a grafia da edição consultada, exceto as formas abreviadas, tal como,
certamente, se encontra no autógrafo camiliano. Também em CABRAL, 1984 (I): 87].
* O original desta carta foi visto, lido e transcrito,
segundo a ortografia de 1984, por Alexandre Cabral. Este conceituado
camilianista observa que «L. Xavier Barbosa permitiu-se alterar o texto do
escritor, pondo a palavra hospedaria
onde estava Cara de Pau (o nome da
hospedaria).» Aqui fica, por isso, o reparo.
Referências:
BARBOSA,
L. Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
[À entrada do livro, ao centro de página ímpar (não numerada), encontra-se a
seguinte informação: «A propriedade d'este livro pertence ao CULTO CAMILIANO,
por generosa dadiva do autor.»]
CABRAL,
Alexandre, 1984: Correspondência de
Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva - I. (Escolha, prefácio
e comentários de). Lisboa: Horizonte.
RODRIGUES,
David F., 2017: «CAMILO &M VIANA / [1857: “VELHA” COMO “NOVA” (01)»: http://vianacamilo.blogspot.pt/2017/04/camilo-viana-1857velha-como-nova-01.html
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2013a: «Camilo & Viana 003 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]»: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-003.html
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2013: «Camilo & Viana 002 / Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]: http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2013/11/camilo-viana-002.html
Caro David:
ResponderEliminarmais um muito interessante episódio de Camilo por Viana, sempre saltitante, teso e enredado em trama de saias, - neste caso véstias conventuais. A forma exemplar com que exploras e compões o puzzle de suas errâncias e desatinos resulta, para o leitor, num encantamento comparável aos textos dele a que te cinges. Acredito e desejo que, mais ano menos ano, cerzidos, estes textos acabarão de enriquecer a camiliana e a memória de Viana da Foz do Lima do séc.XIX.
Por desatenção, sairam-te anos de 1900 por 1800.
Abração rijo!
Muito obrigado, Amigo Cláudio Lima, pelo teu atento comentário. Aquela gralha de trocar, por vezes, o 1800 pelo 1900... sabes como é: uma pessoa escreve e, depois, ao reler, por vezes, lê o que tem na cabeça mais do que está à frente do olho. Depois, o meu computador tem a mania de, por vezes, fazer correções sem me dar conhecimento. Mas já corrigi os anos. Espero que agora o "post" esteja purgado dessas moléstias.
EliminarObrigado, mais uma vez.
Abraço d'aço!
Gostei, David.
ResponderEliminarUma delícia. Este Camilo, como bem disseste na conferência da semana passada, é homem de passado e vivências apaixonantes.
Sobe esta passagem do nosso Escritor por Viana, que muito bem estás a agarrar, afinal, ainda há há muito por contar e para concluir.
Louvo o teu empenho.
O melhor abraço.
Obrigado, Fagundes. Vou fazendo o melhor que posso. O que pretendo é que Camilo seja, cada vez, mais e melhor lido. Assim procedendo, mais e melhor será também conhecida a sua vida e obra, melhor, a sua vida através da sua obra.Mesmo (e anão apenas) as suas relações indeléveis com Viana. Abraço!
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