segunda-feira, 29 de junho de 2020

Cláudio Basto e Camilo
[Continuação]


03. Três cartas de Camilo

Cláudio Basto1, depois da reprodução da segunda carta de Camilo para Tomás Branco, sublinha o estado de «desesperança» do escritor, manifestado no «começo» e no «final» dessa carta, datada de 05 de dezembro de 1868. Estado esse que o médico, professor e investigador vianês volta a encontrar «fortemente» presente, na seguinte carta, ainda que «breve e intensa, de consolação a Henrique Guilherme Tomás Branco, pelo falecimento de uma filha».2


Eis, assim, a última das Três Cartas de Camilo que, no opúsculo com este título, Cláudio Basto publicou, em 1917, «por gentil assentimento» de Alfredo Ernesto Dias Branco, filho do destinatário destes autógrafos, amigo e contemporâneo do escritor.3

03.4. Carta III4


Procedendo-se a uma leitura comparativa entre o autógrafo e a sua transcrição, verifica-se que Cláudio Basto nem sempre respeitou o manuscrito. A nível da grafia, lê-se «carro», no original, e «carrro», na sua cópia. Erro tipográfico, certamente. E Camilo não deixou os espaços que se veem, no final da carta transcrita, nem escreveu «Br.co» o seu apelido Branco, mas somente «Br».
Assinalam-se estas minudências, porque o estudioso vianês, em «Notas Camilianas I», assinala – com justiça, sublinhe-se – que Silva Pinto, ao transcrever uma carta recebida de Camilo, num dos seus livros, «não respeitou a ortografia do Romancista, e em nada as suas abreviaturas.» E comenta, logo de seguida: «Quando se reproduzem cartas, ao menos pela primeira vez, convém fazê-lo escrupulosamente, copiando com toda a fidelidade.» Ora, Cláudio Basto sabia que estava a reproduzir, «pela primeira vez», estas Três Cartas de Camilo. Recorde-se que o «folheto» foi editado em outubro de 1917 e que artigo «Notas Camilianas I» tinha saído na revista Lusa, em abril do mesmo ano.5

Transcreve-se, de seguida, a carta III, com ortografia e pontuação atualizadas, e abreviaturas desenvolvidas. Uma chamada, para a nota correspondente, será colocada entre chavetas, por não constar do autógrafo nem da sua transcrição por Cláudio Basto. Dado não corresponder, assim, inteiramente à leitura que o investigador vianês reproduz em Três Cartas de Camilo, a cópia seguinte vai no tipo «palatino linotype» e em itálico, inclusive a palavra sublinhada.

Meu prezado amigo!

Este escalavrado carro da minha vida roda pela ladeira da desgraça, e não há já travão que o sustenha. Estou agora assistindo à agonia da minha neta, uma criança de 16 meses, que morre tísica como a mãe. Meu filho, que ainda não tem 20 anos, está ameaçado de igual enfermidade. Esta casa é um centro de amarguras negras onde não entra raio de luz de esperança.
Que há de esperar um velho, tendo, como consolação, um filho alienado? Compara-te, e consola-te, meu bom amigo.

Teu do coração,{6}

Camilo C. Branco


Cláudio Basto termina a sua reprodução deste documento camiliano, comentando:

Esta carta não tem data, mas, escrita durante a agonia da neta, isto é, num dos treze dias que decorreram da morte da mulher de Nuno (31 de Agôsto de 1884) à da filha, – que todo esse tempo esteve a pequenina Maria Camila a resvalar para a morte –, é de Setembro de 1884 (1). – O filho que ainda não tinha 20 anos era o Nuno; fazia-os, porém, no dia 15 dêsse mês.
Nesta carta se reflecte, em uma síntese dolorosa, a má fortuna que entrou no lar do sensível Romancista, tornando-lho em «um centro de amarguras negras onde não entra raio de luz de esperança»!{7}

_________________________

 (1) A neta foi enterrada no dia 14 de Setembro.


O investigador vianês conclui a edição do opúsculo Três Cartas de Camilo, registando, por um lado, o interesse desta sua publicação, como sério contributo para «a memória do imortal Escritor». Reafirma, por outro, o seu agradecimento ao proprietário dos manuscritos, pela autorização da «reprodução zincográfica» dos três manuscritos:

Não carecem de comentários as três cartas de Camilo que ilustram estas páginas.
Achei-as, quando as conheci, excelentes e dignas de publicidade; o Sr. Tenente-coronel Alfredo Ernesto Dias Branco teve logo a penhorante amabilidade de me permitir a sua reprodução zincográfica para que fôssem divulgadas em folheto. Essa amabilidade, agradeço-a agora mais uma vez, públicamente, - pelo que ela me cativou e por me dar aso a honrar, se bem que muito modestamente, a memória do imortal Escritor em cujo halo esplendoroso escabeceiam uns vistosos literatos de moeda fraca – e falsa…{8}

Viana-do-Castelo, Outubro de 1917.

CLÁUDIO BASTO


No próximo apontamento (03.5.), dar-se-á início à transcrição, integral e anotada, de Uma explicação (Por causa das três cartas de Camilo), texto publicado, em novembro de 1917, na revista Lusa e em separata, bem como, no jornal República, em dezembro do mesmo ano. Na origem deste artigo, está uma crítica saída neste periódico, onde o «criticador» do «folheto», segundo se infere da réplica bastiana, terá ofendido a dignidade ética e intelectual do investigador vianês. Ofensas que levaram Cláudio Basto a explicar, sem cuidar cortesias verbais, ao arroteado jornaleirista e aos seus leitores, as razões e os objetivos da edição de Três Cartas de Camilo.9 Como se lerá.


Notas e referências

Resumo biobibliográfico e outras referências a Cláudio Basto, em «0. Introdução», AQUI. Sob o título genérico de «Cláudio Basto e Camilo», foram já publicados, neste blogue, além do referido, os seguintes apontamentos:
- «01. – “Notas Camilianas – I”», AQUI.
- «02. – “Notas Camilianas – II”», AQUI.
- «03. – «Três cartas de Camilo» e «03.1. – “Três cartas de Camilo”: “notícia informativa”», AQUI.
- «03. – «Três cartas de Camilo» e 03.2. – «Carta I», AQUI.
- «03. «Três cartas de Camilo» e 03.3. «Carta II», AQUI.

2  (Re)ler BASTO, 1917a: 11 ou AQUI. Recorde-se que, em rodapé, Cláudio Basto anota: «Na gravura não foi reproduzida a tarja negra do papel.»

3  (Re)ler BASTO, 1917a: 05 e/ou AQUI.

4  Utiliza-se, na cópia integral e fiel desta parte do referido opúsculo, o tipo «arial», a fim de ser visivelmente melhor reconhecida. Cláudio Basto volta a escrever, como na transcrição das cartas I e II, o «q sem til», como advertira, «por não haver na tipografia q tilado». [(Re)ler BASTO, 1917a: 06, nota 2) e/ou AQUI] Entre chavetas, colocar-se-ão chamadas para notas consideradas pertinentes. A carta III encontra-se em BASTO, 1917a: 12 (zincogravura do autógrafo) e 13 (transcrição do manuscrito, seguida de comentário, conclusão, data e nome do autor). A reprodução do autógrafo, neste apontamento, apresenta-se, todavia, em paralelo (zincogravura vs. transcrição), a fim de se facilitar a sua leitura comparativa.

(Re)ler BASTO, 1917: 13 e/ou AQUI. Sobre a vianesa revista Lusa, (re)ler VIANA & BARROSO, 2009: 348-349.

{6}  Sobre o uso desta forma de tratamento por Camilo, na sua correspondência, (re)ler AQUI, nota 11.

{7}  Sobre tópicos biográficos de Camilo e seus descendentes, referidos por Cláudio Basto, neste parágrafo, (re)ler AQUI e, em particular, as notas 4, 11 e 12, bem como ilustrações e referências bibliográficas aí indicadas.

{8}  Alfredo Ernesto Dias Branco era, como se disse acima, filho de Henrique Guilherme Tomás Branco, amigo e contemporâneo de Camilo. Sobre as relações de amizade e convívio, desde a juventude, entre Camilo e Tomás Branco, (re)ler AQUI, nomeadamente a nota 2, e AQUI.

9  O artigo em causa «foi publicado no diário lisbonense “República”, n.º 2484, de 16 - dezembro - 1917», lê-se em BASTO (org.), 1948: 19. Apesar das diligências feitas, o autor deste apontamento ainda não teve possibilidade de consultar este exemplar do referido jornal, nem aquele onde foi publicada, muito provavelmente, a crítica do articulista. (Re)ler AQUI, nota 9.


Bibliografia [grafia atualizada]

BASTO, Cláudio, 1917: «Notas Camilianas – I», em Lusa [Ano I, n.º 2, de 01/04, Vol. I]. Viana do Castelo, p. 13.
------------, 1917a: Três Cartas de Camilo. Viana do Castelo: Lusa.
------------, 1917b: «Uma explicação (Por causa das três cartas de Camilo)»,em Lusa [Ano I, n.º 19, Vol. I]. Viana do Castelo, pp. 149-150.
------------, 1917c: Uma explicação (Por causa das três cartas de Camilo). Viana do Castelo: Lusa. (Separata de BASTO, 1917b. «O mesmo artigo foi publicado no diário lisbonense “República”, n.º 2484, de 16-Dez.-1917». BASTO, 1948: 9).
------------, 1918: «Notas Camilianas – II», em Lusa [Ano II, n.º 41 e 42, de 15/11 e 01/12), Vol. II. Viana do Castelo, pp. 137-138.
BASTO, Hermínia (org.), 1948: Miscelânea de Estudos à Memória de Cláudio Basto. Porto.
VIANA, Rui & BARROSO, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo.

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