Cláudio
Basto e Camilo
[Continuação]
03. Três cartas de
Camilo
Cláudio Basto1, depois da
reprodução da segunda carta de Camilo para Tomás Branco, sublinha o estado de «desesperança»
do escritor, manifestado no «começo» e no «final» dessa carta, datada de 05 de
dezembro de 1868. Estado esse que o médico, professor e investigador vianês volta
a encontrar «fortemente» presente, na seguinte carta, ainda que «breve e intensa,
de consolação a Henrique Guilherme
Tomás Branco, pelo falecimento de uma filha».2
Eis, assim, a última das Três Cartas
de Camilo que, no opúsculo com este título, Cláudio Basto publicou, em 1917,
«por gentil assentimento» de Alfredo Ernesto Dias Branco, filho do destinatário
destes autógrafos, amigo e contemporâneo do escritor.3
03.4. Carta III4
Procedendo-se
a uma leitura comparativa entre o autógrafo e a sua transcrição, verifica-se
que Cláudio Basto nem sempre respeitou o manuscrito. A nível da grafia, lê-se
«carro», no original, e «carrro», na sua cópia. Erro tipográfico, certamente. E
Camilo não deixou os espaços que se veem, no final da carta transcrita, nem
escreveu «Br.co» o seu apelido Branco, mas somente «Br».
Assinalam-se
estas minudências, porque o estudioso vianês, em «Notas Camilianas I», assinala
– com justiça, sublinhe-se – que Silva Pinto, ao transcrever uma carta recebida
de Camilo, num dos seus livros, «não respeitou a ortografia do Romancista, e em
nada as suas abreviaturas.» E comenta, logo de seguida: «Quando se reproduzem cartas, ao menos pela primeira vez,
convém fazê-lo escrupulosamente, copiando com toda a fidelidade.» Ora, Cláudio
Basto sabia que estava a reproduzir, «pela primeira vez», estas Três Cartas de Camilo. Recorde-se que o
«folheto» foi editado em outubro de 1917 e que artigo «Notas Camilianas
I» tinha saído na revista Lusa, em
abril do mesmo ano.5
Transcreve-se,
de seguida, a carta III, com ortografia e pontuação atualizadas, e abreviaturas
desenvolvidas. Uma chamada, para a nota correspondente, será colocada entre
chavetas, por não constar do autógrafo nem da sua transcrição por Cláudio Basto.
Dado não corresponder, assim, inteiramente à leitura que o investigador vianês
reproduz em Três Cartas de Camilo, a
cópia seguinte vai no tipo «palatino linotype» e em itálico, inclusive a
palavra sublinhada.
Meu
prezado amigo!
Este escalavrado
carro da minha vida roda pela ladeira da desgraça, e não há já travão que o
sustenha. Estou agora assistindo à agonia da minha neta, uma criança de 16
meses, que morre tísica como a mãe. Meu filho, que ainda não tem 20 anos, está
ameaçado de igual enfermidade. Esta casa é um centro de amarguras negras onde
não entra raio de luz de esperança.
Que há de esperar
um velho, tendo, como consolação, um filho alienado? Compara-te, e consola-te,
meu bom amigo.
Teu do coração,{6}
Camilo C. Branco
Cláudio
Basto termina a sua reprodução deste documento camiliano, comentando:
Esta
carta não tem data, mas, escrita durante a agonia da neta, isto é, num dos
treze dias que decorreram da morte da mulher de Nuno (31 de Agôsto de 1884) à
da filha, – que todo esse tempo esteve a pequenina Maria Camila a resvalar para
a morte –, é de Setembro de 1884 (1). – O filho que ainda não tinha 20 anos era
o Nuno; fazia-os, porém, no dia 15 dêsse mês.
Nesta
carta se reflecte, em uma síntese dolorosa, a má fortuna que entrou no lar do
sensível Romancista, tornando-lho em «um centro de amarguras negras onde não
entra raio de luz de esperança»!{7}
_________________________
(1) A neta foi enterrada no dia 14 de
Setembro.
O investigador vianês conclui a edição
do opúsculo Três Cartas de Camilo,
registando, por um lado, o interesse desta sua publicação, como sério
contributo para «a memória do imortal Escritor». Reafirma, por outro, o seu
agradecimento ao proprietário dos manuscritos, pela autorização da «reprodução
zincográfica» dos três manuscritos:
Não
carecem de comentários as três cartas de Camilo que ilustram estas páginas.
Achei-as,
quando as conheci, excelentes e dignas de publicidade; o Sr. Tenente-coronel
Alfredo Ernesto Dias Branco teve logo a penhorante amabilidade de me permitir a
sua reprodução zincográfica para que fôssem divulgadas em folheto. Essa
amabilidade, agradeço-a agora mais uma vez, públicamente, - pelo que ela me
cativou e por me dar aso a honrar, se bem que muito modestamente, a memória do
imortal Escritor em cujo halo esplendoroso escabeceiam uns vistosos literatos
de moeda fraca – e falsa…{8}
Viana-do-Castelo,
Outubro de 1917.
CLÁUDIO BASTO
No
próximo apontamento (03.5.), dar-se-á início à transcrição, integral e anotada,
de Uma
explicação (Por causa das três cartas de Camilo), texto publicado, em novembro de 1917, na
revista Lusa e em separata, bem como,
no jornal República, em dezembro do
mesmo ano.
Na origem deste artigo, está uma crítica saída neste periódico, onde o
«criticador» do «folheto», segundo se infere da réplica bastiana, terá ofendido
a dignidade ética e intelectual do investigador vianês. Ofensas que levaram Cláudio
Basto a explicar, sem cuidar cortesias
verbais, ao arroteado jornaleirista e
aos seus leitores, as razões e os objetivos da edição de Três Cartas de Camilo.9 Como se lerá.
Notas e referências
1 Resumo biobibliográfico e outras
referências a Cláudio Basto, em «0. Introdução», AQUI.
Sob o título genérico de «Cláudio Basto e Camilo», foram já publicados, neste
blogue, além do referido, os seguintes apontamentos:
- «01.
– “Notas Camilianas – I”», AQUI.
- «02.
– “Notas Camilianas – II”», AQUI.
- «03. –
«Três cartas de Camilo» e «03.1. – “Três cartas de Camilo”: “notícia
informativa”», AQUI.
- «03. –
«Três cartas de Camilo» e 03.2. –
«Carta I», AQUI.
- «03. – «Três cartas de Camilo» e 03.3. – «Carta II», AQUI.
2 (Re)ler BASTO, 1917a:
11 ou AQUI. Recorde-se que,
em rodapé, Cláudio Basto anota: «Na gravura não foi reproduzida a tarja negra
do papel.»
4 Utiliza-se, na cópia
integral e fiel desta parte do referido opúsculo, o tipo «arial», a fim de ser
visivelmente melhor reconhecida. Cláudio Basto volta a escrever, como na
transcrição das cartas I e II, o «q
sem til», como advertira, «por não haver na tipografia q tilado».
[(Re)ler BASTO, 1917a: 06, nota 2) e/ou AQUI] Entre chavetas, colocar-se-ão
chamadas para notas consideradas pertinentes. A carta III encontra-se em BASTO,
1917a: 12 (zincogravura do autógrafo) e 13 (transcrição do manuscrito, seguida
de comentário, conclusão, data e nome do autor). A reprodução do
autógrafo, neste apontamento, apresenta-se, todavia, em paralelo
(zincogravura vs. transcrição), a fim de se facilitar a sua leitura
comparativa.
5 (Re)ler BASTO, 1917: 13 e/ou AQUI.
Sobre a vianesa revista Lusa, (re)ler VIANA & BARROSO, 2009: 348-349.
{6}
Sobre o uso desta forma de tratamento por Camilo, na sua correspondência,
(re)ler AQUI, nota 11.
{7} Sobre tópicos
biográficos de Camilo e seus descendentes, referidos por Cláudio Basto, neste
parágrafo, (re)ler AQUI e, em particular,
as notas 4, 11 e 12, bem como ilustrações e referências bibliográficas aí indicadas.
{8} Alfredo Ernesto Dias
Branco era, como se disse acima, filho de Henrique Guilherme Tomás Branco,
amigo e contemporâneo de Camilo. Sobre as relações de amizade e convívio, desde
a juventude, entre Camilo e Tomás Branco, (re)ler AQUI, nomeadamente a
nota 2, e AQUI.
9 O artigo em causa «foi
publicado no diário lisbonense “República”, n.º 2484, de 16 - dezembro - 1917»,
lê-se em BASTO (org.), 1948: 19. Apesar das diligências feitas, o autor deste
apontamento ainda não teve possibilidade de consultar este exemplar do referido
jornal, nem aquele onde foi publicada, muito provavelmente, a crítica do articulista.
(Re)ler AQUI,
nota
9.
Bibliografia [grafia atualizada]
BASTO, Cláudio, 1917: «Notas Camilianas
– I», em Lusa [Ano I, n.º 2, de 01/04, Vol. I]. Viana do
Castelo, p. 13.
------------, 1917a: Três Cartas
de Camilo. Viana do Castelo: Lusa.
------------, 1917b: «Uma explicação (Por causa das três cartas
de Camilo)»,em Lusa [Ano I, n.º 19, Vol. I]. Viana do Castelo, pp. 149-150.
------------,
1917c: Uma
explicação (Por causa das três cartas de Camilo). Viana do Castelo: Lusa. (Separata de BASTO, 1917b. «O
mesmo artigo foi publicado no diário lisbonense “República”, n.º 2484, de
16-Dez.-1917». BASTO, 1948: 9).
------------, 1918: «Notas Camilianas –
II», em Lusa [Ano II, n.º 41 e 42, de 15/11 e 01/12), Vol. II.
Viana do Castelo, pp. 137-138.
BASTO, Hermínia (org.), 1948: Miscelânea de Estudos à Memória de Cláudio Basto. Porto.
VIANA, Rui & BARROSO, António José, 2009: Publicações
Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do
Castelo.
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