quinta-feira, 26 de março de 2020



Cláudio Basto e Camilo.



0. Introdução


Cláudio Basto, médico e ilustre figura vianesa das ciências sociais, da filologia e da literatura, que viveu entre finais do séc. XIX e meados do séc. XX, também se dedicou ao estudo da obra de Camilo Castelo Branco, tendo-lhe dedicado vários trabalhos.
Far-se-á, nestes apontamentos, à apresentação crítica dessas publicações. Procura-se, deste modo, contribuir para um melhor conhecimento da bibliografia passiva camiliana, desejando-se, ao mesmo tempo, tornar (mais) acessíveis os trabalhos deste erudito vianês, cujo valor intelectual continua a não ser devidamente (re)conhecido pelos seus conterrâneos, ao não se ter a sua obra criticamente reeditada e estudada.

                                  

Cláudio (Filipe de Oliveira) Basto nasceu em Viana do Castelo, em agosto de 1886. Concluídos os estudos liceais, nesta cidade (curso geral) e em Braga (complementar), foi estudar para o Porto, na Academia Politécnica, onde fez os «preparatórios médicos» e, de seguida, na Faculdade de Medicina, onde concluiu o curso médico-cirúrgico, em 1911, com a defesa da tese Alma Doente: a génese da psicastenia, em outubro de 1912.

Apesar da sua formação académica, não exerceu a clínica privada. Foi, não obstante, médico escolar e presidente da Junta Delegada da Sanidade Escolar, em Viana do Castelo. Preferiu dedicar-se ao ensino, lecionando disciplinas das áreas de ciências e de letras. Entre 1911 e 1929, em escolas de Viana (Liceu, Escola do Ensino Normal, Escola Primária Superior de João da Rocha, Escola Industrial e Comercial de Nun’Álvares)[1]. No ano letivo de 1929-30, é professor efetivo na Escola Industrial de Passos Manuel (Vila Nova de Gaia), e, no ano seguinte, até 1944, na Escola Industrial de Faria Guimarães (Porto).

Embora tenha escrito também poesia e narrativas, foram os estudos de recolha e investigação, realizados sobretudo nos domínios da filologia e da etnografia, da literatura e da crítica, que afirmaram o seu nome a nível nacional e internacional. Foi sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e pertenceu a várias sociedades e coletividades científicas e culturais, portuguesas e estrangeiras[2]. Prova o valor e o interesse pelos seus trabalhos a colaboração que deu a prestigiadas revistas portuguesas e estrangeiras, bem como o número e estatuto cultural dos colaboradores que, na Miscelânea, publicaram textos em sua homenagem[3].

Encontram-se aqui reconhecidos e prestigiados nomes da cultura portuguesa, como Abel Viana, Aquilino Ribeiro, Augusto César Pires de Lima, Fidelino de Figueiredo, Francisco Torrinha, Joaquim de Carvalho, Luís Chaves, Orlando Ribeiro, Rodrigo de Sá Nogueira, e de estrangeiros (Fermin Bouza Brey, Philéas Lebesgue e Wilhelm Giese). Em textos de índole memorialista  e  testemunhal,  uns,  científicos e de crítica literária, outros, os seus autores manifestam o elevado apreço que haviam tido e mantinham por Cláudio Basto. Acrescente-se que o estudioso vianês conviveu de perto com figuras importantes da cultura portuguesa do seu tempo: Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, Leite de Vasconcelos, José Joaquim Nunes, Gonçalves Viana, Cândido de Figueiredo, João da Rocha, Figueiredo da Guerra, José Caldas, Júlio de Lemos e Manuel Couto Viana, além de outros.

A terra e sobretudo as gentes de Viana do Castelo (cidade, concelho e distrito), nos seus usos, costumes e tradições populares, a nível etnográfico e linguístico, estiveram constantemente sob observação e estudo, análise e divulgação de Cláudio Basto. Nunca, porém, com visões regionalistas e muito menos bairristas, mas segundo, sempre, uma perspetiva alargada, nacional e mesmo internacional, por comparação e confronto com manifestações idênticas de outras regiões e culturas. Para o efeito, além dos trabalhos que espalhou por periódicos locais e regionais, nacionais e estrangeiros, cofundou e dirigiu as revistas Lusa, Límia e Portvcale[4], de que oportunamente se falará, tendo sido também redator e colaborador de outras publicações periódicas vianesas[5].

A obra de Cláudio Basto, entre crónicas, artigos, estudos, ensaios, prefácios, crítica, ronda as três centenas de títulos. Alguns são recolhas de trabalhos que publicara em periódicos e que depois organizou em edição autónoma. Outros são ensaios filológicos sobre as linguagens de Camões, Camilo, Eça e Fialho. Deixou-nos também separatas de artigos, por vezes revistos e aumentados. Escreveu vários verbetes (entradas) para a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira[6], sendo um deles, precisamente «Camilo»[7].

«Impossível mencionar todos os números-únicos, jornais e revistas [nacionais e estrangeiros] em que [Cláudio Basto] colaborou», refere o autor da «Notícia biobibliográfica». No entanto, nomeia os seguintes:

«Volkstum und Kultur der Romanen, de Hamburgo; Revista de Cultura, do Rio de Janeiro; Nós, de Orense; Revista Lusitana, Revista de Guimarães, Arquivo Nacional de Ex-Libris, Terra Portuguesa, Alma Nova, Instituto (Coimbra), Arquivo Literário, Língua Portuguesa, Portugal Médico, Tríptico (Coimbra), Gente Minhota, A Águia, Revista de Portugal, Brasília, além de outras revistas de cultura.»[8]

A fim de não sobrecarregar este primeiro apontamento com dados sobre a vida e a obra de Cláudio Basto, remete-se, desde já, o leitor interessado para:

- BASTO (org.) [9], com referências bibliográficas pormenorizadas de quanto, quando, onde e como o autor publicou, em cada ano, entre 1907 e 1944;
- Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira[10], onde encontra uma listagem bio-bliográfica, bastante completa, mais simplificada, porém, que a anterior;
- VERDELHO dá-nos um resumo biobibliográfico do autor, na Biblos[11];
- Instituto Camões, síntese biobibliográfica de Cláudio Basto
- ALMEIDA[12] mostra-nos o valor das investigações do erudito vianês e respetivas referências;
- RODRIGUES[13] faz uma breve leitura da vida e da obra de Cláudio Basto, relevando sobretudo os estudos que o erudito vianês publicou na Revista Lusitana

No próximo apontamento, abordar-se-á a primeira nota camiliana de Cláudio Basto. Nela, o autor transcreve e comenta uma carta que Camilo dirigiu a Silva Pinto, publicada pelo destinatário, sem, contudo, respeitar, integralmente, o autógrafo do Escritor.

Obs.
- O retrato de Camilo, datada de 1882, é cópia da que se encontra em Gravuras de Camilo na Imprensa Nacional de Lisboa, 1925, p. [8], em edição fac-similada da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982. 
- O de Cláudio Basto encontra-se em Basto (org.), 1948, entre as pp. 6-7.


[1] Cláudio Basto foi aluno e docente no antigo Liceu de Viana. Não no edifício atual, inaugurado em 1946. Até esta data, o ensino liceal, nesta cidade, funcionou em várias instalações provisórias: Convento de S. Domingos, Palacete Sotto-Maior e Casa dos Quesados. Cláudio Basto terá estudado no Palacete e ensinado na Casa.
[2] BASTO, Hermínia (org.), 1948: Miscelânea de Estudos à Memória de Cláudio Basto, Porto. Hermínia [Costa de Oliveira] Basto, responsável pela organização do volume, foi colega, no curso de medicina, e esposa do homenageado. O autor da «Notícia biobibliográfica», que abre a Miscelânea, refere que o autor chegou a ser «convidado em 1924 para reger uma cadeira de Português na Universidade de Hamburgo, lugar que não aceitou por não querer sair de Portugal.» [Id., p. 10]
[3] Colaboram 41 autores, 40 dos quais assinados. Só a «Notícia biobibliográfica» é anónima. É de atribuir a sua autoria, por isso, à viúva, que, para o efeito, deve ter contado com a colaboração do filho de ambos, Hermínio Cláudio Basto.
[4] Cláudio Basto fundou, com João da Rocha e João Páris, a Límia (1910 -1912); a Lusa (1917-1924), com Pedro Vitorino; e Portvcale (1928-1955), com Augusto Martins e Pedro Vitorino.
[5] Em A Aurora do Lima, Beliscos, Ferrão, Folha de Viana, Gazeta de Viana e O Povo, entre outras. Sobre a história de cada um destes periódicos, cf. VIANA, Rui & BARROSO, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal.
[6] Para uma desenvolvida da vida e obra do autor, ler BASTO (org.), 1948: 9-31. Em nota de rodapé, é referido: «Esta notícia, a que agora se fizeram alguns acréscimos, foi publicada na revista Portvcale, vol. XVIII, págs. 66-84.» Para informação mais precisa, acrescente-se que a referida notícia saiu no n.º duplo 105-106, meses maio-agosto de 1945, com o título de «Dr. Cláudio Basto», assinado pela «Redacção». Este n.º traz como único diretor - Hermínio Cláudio Basto - filho do biografado. Com a morte de Pedro Vitorino (1882-1944), também médico, Hermínio Basto entra na direção da revista, ao lado do pai, sob cuja direção saiu o n.º duplo 103-104, janeiro-abril de 1945. O outro fundador da Portvcale, Augusto Martins, professor de Matemáticas, Físico-Químicas e Desenho, nascido em 1885, havia falecido em 1932.
[7] Além do verbete sobre Camilo, são de referir também os que escreveu sobre «Cantiga», «Casa Portuguesa», «Conto», «Coração», «Danças populares», «Dialetos portugueses», «Dinis (Júlio)» e «Ditados populares».
[8] Basto (org.), 1948: 13.
[9] BASTO (org.), 1948, pp. 9-31. A bibliografia encontra-se nas pp. 14-31.
[10] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. IV, pp. 345-346.
[11] VERDELHO, Telmo, 1995: «BASTO (Cláudio Filipe de Oliveira)». Biblos – Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, Vol. 1, pp. 606-607.
[12] ALMEIDA. Justino Mendes de, 1989: «Cláudio Basto, notável investigador vianês». Estudos Regionais – Revista de Cultura do Alto Minho, n.º 5 (junho). Viana do Castelo, pp. 39-51.
[13] RODRIGUES, David F., 2012: «Cláudio Basto na Revista Lusitana». A Falar de Viana: Viana do Castelo: Vianafestas; pp. 261-271.

2 comentários:

  1. Li com muito interesse, caro David. Este Cláudio, em minha opinião, é o maior Cláudio que o Alto Minho (o Minho todo e muito do País) tem para se orgulhar e para promover. Honra te seja, que te meteste à empreitada, por interferência do Camilo. Eu tenho «A Linguagem de Camilo» (1927) e «Flores do Frio» (Memórias, 1922) que, caso te sejam úteis para a tua oportuna e sei que competente tarefa, tas farei chegar às mãos. Se achas que vale a pena corrige um pequeno lapso no post: ao fim do parágrafo 4 a palavra:colaboradores. Um grande abraço, apesar das restrições profiláticas.

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  2. Muito obrigado, Amigo Cláudio Lima, pela tua leitura crítica e pela colaboração bibliográfica e pela correção da gralha. Tenho « A Linguagem de Camilo». O «Flores do Frio» não tenho, mas sei que existe na Biblioteca Municipal cá do sítio. Por isso, se puderes, envia-me o teu, quando puderes. Como sabes, os serviços da BMVC estão fechados. E não sei quando reabrirão. Agradeço e retribuo os votos sanitários, com o meu grande e cordial abraço!

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