sábado, 29 de novembro de 2014

017. Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva [14]

         em Duas Horas de Leitura (1857) [IV]



 Ora prosseguindo na apresentação das referências faz aos irmãos Barbosa e Siva (Luís e José), na crónica «Do Porto a Braga», incluída em Duas Horas de Leitura [cf. aqui], veja o leitor amigo o Camilo nos diz, no capítulo III.

Depois de nos descrever as razões por que se considerava «um grande bucólico de estufa» [Branco, 18582: 103], por um lado, e, por outro, se referir à influência das belezas naturais que, segundo as estações do ano, inspiram os poetas, o Escritor avança, a caminho da consulta que, à exceção de Evaristo Basto, iam fazer, em Famalicão, a um tal «bacharel formado em lombrigas». Meditabundos e cansados da viagem iriam os quatro. Sobretudo depois de terem saboreado, na Carriça, os prazeres  gastronómicos e outros de uma tal Mariquinhas.


«[...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...]
Não obstante, na qualidade de viajante, logo que o horisonte se dilatou diante do carro, e os galões sobre melhor pizo diminuiram, aventurei a cabeça fóra das bambinellas para saudar o sol poente.
Ha doze annos, foi aquella a minha hora de poesia. As minhas tristezas doces, os meus confusos devaneios, a minha costella de Petrarcha sem Laura, tive-a então. Hoje acontece-me o que é natural. Vejo, e vi o sol no occidente, pelos olhos da face que pouco vêem de enfraquecidos pelas repetidas ophtalmias dos olhos da alma. O que fiz foi consultar o relogio para calcular o tempo que nos levaria a caminhada á Carriça. Os meus companheiros, mais poetas que eu, iam taciturnos; não é liquido, porém, ainda se o seu silencio era tedio ou poesia.
J[osé] B[arbosa e Silva] quebrou a lethargia, perguntando:
“O homem da bicha está em Villa-Nova? [“]
— É natural — disse E[varisto] B[asto].
Esta pergunta, leitor, devia matar, se ella existisse, toda a poesia da hora, do local, e das circumstancias. Desde aquelle momento, os pinheiros, que bordam a estrada, affiguraram-se-me bichas solitarias; as listas rubidas do arrebol eram tenias; tenias eram os frocos dispersos de pequenas nevoas que se esvahiam no horisonte; e o homem, terror d'esta rainha das lombrigas, pareceu-me, de longe, um mytho.
Deveis saber que L[uís Barbosa e Silva], J. B., e eu imaginamos que alojavamos no intimo das entranhas, cada um, pelo menos, sua tenia. E.B., imaginou tambem que a tinha em casa. Todos quatro combinamos um plano de ataque contra a alimaria que nos devorava os sucos. E. B. prevenira o bacharel formado em lombrigas para que nos esperasse em Villa-Nova; e, para nós, era infallivel, horas depois, estarmos em lucta com o entezoairo cestoide, tœnia cucurbitania de Lamarck.
E assim, antevendo uma velhice sadia, graças á extracção do parasita, saudavamos as boas digestões, um sangue mais puro, um espirito mais desempeçado das roscas do verme, e, sobre tudo, um tecido adiposo que nos habilitasse a exercer, sem desdouro, os cargos do municipio, ou a presidencia de uma junta de parochia illustrada.
Nestas gravissimas reflexões, chegamos á Carriça, e apeamos. A primeira pessoa que vimos foi a Mariquinhas, merendando, salvo erro, uma lourejante posta de pescada fritada em ovos.
[…   …   …   …   …   …   …   …   …   …   …]
Anoiteceu. Saudades amargas da minha cama cobriam-me o coração de crepe. O meu barrete de dormir alvejou-me no horisonte escuro, como um sonho da virgem em ancias por ente querido que se lhe perde. Reclinei a fronte calcinada sobre o peito, e meditei em profundo recolhimento sobre as minhas alparcatas. A intensidade desta angustia não hão-de os homens entendêl-a, nesta épocha de cascalho e mala-posta.
Quando a esta terra vierem barbaros com coração ainda virgem da lepra dos interesses materiaes, haverá então quem comprehenda as attribulações do viajeiro a cabecear do somno. Guardo para esses o entendimento do jubilo com que ouvi dizer:
“Estamos em Villa Nova.”
Ao mesmo tempo, exclamou o tendeiro inquilino nos baixos da hospedaria:
“O homem já cá está em cima.”
— Quem é o homem? — perguntei eu alvoroçado.
“O homem da bicha” — replicou o auspicioso tendeiro.
Na physionomia dos tres, que se imaginavam supplementares á tenia, raiou a luz da esperança.
Subimos pressurosos á sala da consulta.
Agora o vereis.»

[Branco, 18582: 103-107]

       Pois é, mas isso é o que meu amigo verá / lerá no próximo post. Camilo termina estrategicamente neste ponto o terceiro capítulo. A «história da ténia» continua nos próximos caps. do livro e, logicamente, nos próximos posts deste blogue.


Leituras:
BRANCO, C. C., 18582: «Do Porto a Braga», em Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho.
RODRIGUES, D. F., 2014: «Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582) [I]. AQUI
-----------, 2014a: «Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582) [II]. AQUI.
-----------, 2014b: «Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582) [III]. AQUI.

NB - Nas transcrições e citações foi respeitada a grafia das edições consultadas.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   [Continuará]

2 comentários:

  1. Obrigada pelo votos e pelos " sucos" de leitura camiliana, a que acrescento a simpatia pelo "mestre" que a esta também se dedica para conforto de muitos...

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