016. Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva [13]
em Duas Horas de Leitura (1857) [III]
Apresentei, no
post anterior, «o vulto
moral» de L. B. [Luís Barbosa e Silva], descrito por Camilo,
no capítulo II, da crónica «Peregrinação sobre a Face do Globo» / «Do
Porto a Braga» [ver aqui]. O
Escritor faz, em seguida, o retrato psicológico de E. B. [Evaristo Basto],
de quem era amigo «há oito anos, e o mais antigo de todos» [Branco, 18582:
97; ver Cabral, 1989: 58-59]. Deixarei este E. B. de parte, por não ser de
Viana. O último companheiro da «peregrinação» a ser retratado é J. B. [José Barbosa
e Silva], irmão de Luís Barbosa e Silva, e cujos dados biográficos tenho vindo
a referir, em vários posts deste
blogue. Para eles remeto, por isso.
[Todavia, sínteses da sua vida a nível familiar,
político e social, a par das suas íntimas relações de amizade com o Escritor,
encontram-se também em Cabral, 1989: 51-53, 1984 (I): 33-42, Teles, 2007:
376-377, e Vasconcelos, 1991 e 1999. Além disso, é fundamental conhecer a
imensa correspondência que Camilo enviou a José Barbosa e Silva e seus irmãos
Luís e Mateus, publicada por Cabral, 1984 (I) e (II), e parte por Barbosa, 1919
e por Teles 2008. Pena é que a correspondência de José Barbosa e Silva para
Camilo tenha sido destruída.]
Passemos,
então, ao «vulto moral» de José Barbosa e Silva (1828-1865), segundo Camilo, em
Duas Horas de Leitura, narrativa «Do
Porto a Braga», passeio, recorde-se, realizado no ano de 1856, tinham Camilo e
Luís Barbosa e Silva 31 anos de idade e José 28.
«J[osé] B[arbosa
e Silva].
LÊSTES VIVER PARA SOFFRER? Se tivestes o tacto de respigar n'um
livro, aqui e alli, o coração do author, achal-o-hieis. Não vos quero denunciar
aonde, porque a amizade não dá azo a tanto. Surprehendam-no lá, se podem; que
eu lh'o diga, não. Vede a physionomia serena deste homem: envejar-lhe-heis a
paz intima, o recolhimento ditoso em que parece adormecida aquella alma, no
seio da bemaventurança. Não o julgueis assim. Lá dentro vão tempestades como as
dos bellos lagos de Italia, que se não bolem sequer agora, á crispação de uma
briza, e tem dentro a vaga que logo se levanta com o dorso irriçado de
tormentas. Alli não está só o poeta que vive
Morrendo por um nada,
Que desejado afllige, e havido enfada. (*)
Ha mais,
ha o peior das chimeras mortas, o veneno d'ellas que fica, depois que o verme
da saudade lhes sorveu os succos bons. E d'ahi, aquella immersão em tristeza
profunda, d'onde não ha salval-o, sem que a sezão tenha cumprido sua phase.
Noite alta, a insomnia trava-lhe da imaginação affogueada, e o visinho do seu
quarto, ao amanhecer, escuta os passos monotonos do authomato, que se move, em
quanto a alma, desatada do corpo, corre triste fadario. Não sabeis de certo o
que é o enojo da vida, sem desejar a morte, porque a zombaria da esperança
cava-nos abysmos, e, se nos vê em perigo de resvalar, transforma-nol-os em
flores, mas flores com espinhos sempre. Oh! meu Deus! não é melhor ir com os
olhos postos nas estrellas, e cahir de chofre em um poço, como o phylosopho
grego?! Este morrer a retalhos, para nós que não somos ténias, é sobremaneira
indecoroso!
Não
cuideis, porém, que J. B. é algum Manfredo de faces cavadas e cabellos hirtos,
como elle se pinta nas edições illustradas de L. Byron. Maravilha é vêl-o, no
baile, modêlo de obsequiosas finezas ás damas, e esmerando-se em
não esquecer os cavalheiros. O sorriso de convenção, o ademane cultivado lá
fóra em alguns annos de viagens, obedecem-lhe sempre, e dão-lhe um ar de
contentamento que muito deve
penhorar os donos da casa; e assim é bom para que não fiquem só penhorados os
que se retiram, já que os jornaes não permittem outra coisa.
J. B., officioso
por educação, conhece que não póde furtar-se aos obsequios com que a sua ampla
roda procura galardoar-lhe o merecimento.
N'esta
tarefa, de que Deus me livre pela sua infinita misericordia, consome J. B.
muitas horas que precisaria, se a litteratura não entrasse na sua educação
simplesmente como ornato. Não obstante, a applicação, a paciencia, e a vontade
tenaz, n'outra épocha, fizeram que elle, aos vinte e oito annos, conheça
linguas e a litteratura de cada uma, tanto quanto a sua modestia, e algumas
vezes a sua indole acanhada, fazem por esconder aos que o não têem acompanhado
no seu progressivo desenvolvimento.
Ahi estão
os meus companheiros.
Agora,
ides de certo pasmar, se eu vos disser que nenhum d'elles é sequer,
commendador!»
(*)
F. d'Alvares do Oriente. [Nota de C. C. B.]
[Branco,
18582: 97-98]
Além de
político do partido liberal (deputado, por Viana do Castelo e adido em Paris,
entre outros cargos) José Barbosa e Silva dedicou-se também às letras (poesia,
romance e jornalismo). Camilo apoiava e incentivava esta atividade do amigo vianês,
promovendo-lhe a publicação, em jornais do Porto e de Lisboa, de poemas,
crónicas e, em folhetins, o romance Viver
para Sofrer (1855). Dedicado aos irmãos e subintitulado Estudos do Coração, este romance, com
benevolente prefácio de Camilo (pp. 5-16), apesar de impresso nunca chegou,
porém, a entrar no mercado. Como se sabe, a abastada família Barbosa e Silva e,
em particular, o José, eram o pronto socorro a que o Escritor frequentemente
recorria, nos seus apertos financeiros ou estados psicológicos de abatimento.
Camilo
integrou, depois, o prefácio de Viver para Soffrer, no volume Esboços de Apreciações Litterarias (1865:
39-49).
Oportunamente,
dedicarei um post (ou mais) ao Viver para Sofrer – Estudos do Coração.
Entretanto, em próximo(s) post(s) continuarei a apresentar referências aos
irmãos Barbosa e Silva em Duas Horas de Leitura.
Leituras:
BARBOSA, L. X. 1919: Cem Cartas de Camilo. Lisboa: Imprensa
Portugal-Brasil.
BRANCO, C. C., 18582:
«Do Porto a Braga», em Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho.
-----------, 1865: Esboços Esboços de Apreciações Litterarias. Porto: Viuva
Moré, Editora.
CABRAL, A., 1984: Correspondência
de Camilo Castelo Branco com os irmãos Barbosa e Silva [I] e com Sebastião de
Sousa [II]. Lisboa: Horizonte.
----------- 1989: Dicionário
de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho. (2.ª ed., 2003)
SILVA, J. B., 1855: Viver para Soffrer. Estudos do Coração.
Porto: Typ. de J.
J. Gonçalves Basto.
TELES, M. T., 2007: Os Manuscritos Gertrudes. Uma portuense
apaixonada por Camilo. Lisboa: Guerra e Paz.
-----------, 2008: Camilo e Ana Plácido – Episódios ignorados
da célebre paixão romântica. S/l: Caixotim Edições.
VASCONCELOS, Maria Emília Sena
de, 1991: «Os Barbosa e Silva, de Viana, e Camilo». Cadernos Vianenses, Tomo
XV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 111-127.
Disponível também AQUI.
----------- 1999: Velhos vultos
de Viana». Cadernos Vianenses, Tomo XXV. Viana do Castelo:
Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 45-54. Disponível também AQUI.NB - Nas transcrições e citações foi respeitada a grafia das edições consultadas.
[Continuará]
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