sábado, 15 de novembro de 2014

015. Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva [12]

          em Duas Horas de Leitura (1857) [II]



              No capítulo II, da crónica «Peregrinação sobre a Face do Globo» / «Do Porto a Braga» [ver post anterior], Camilo traça «o vulto moral» dos seus companheiros de viagem. O primeiro de quem faz o retrato, sobretudo psicológico, é L. B. [Luís Barbosa e Silva]. Segue-lhe E. B. [Evaristo Basto] e, por último, J. B. [José Barbosa e Silva].
            Em posts editados ou referenciados [ver AQUI] neste blogue, abordei já, por várias vezes, dados biográficos sobre a abastada família vianesa Barbosa e Silva, em particular, sobre o filho mais novo, José, o grande amigo do Escritor.
            Acrescentarei, agora, alguns dados sobre a vida de L. B. Dados mais desenvolvidos sobre esta família encontrará o interessado em Vasconcelos, 1991 e 1999, e Cabral, 1989: 51-54.
            Fazendo uma breve biografia de L. B., Alexandre Cabral regista, entre outros, os seguintes dados:

«Luís Barbosa e Silva (1825-1892), como o seu irmão mais novo, foi íntimo amigo de C. C. B., com quem aliás, depois da morte do benjamim (José Barbosa), manteve relações epistolares. Figura preponderante da sociedade vianense, dedicou-se particularmente ao comércio. Na verdade, o clã Barbosa e Silva, com outras famílias influentes, dominavam por completo a vida social de Viana do Castelo, inclusive a política.
[…]
Existe na Casa-Museu de Camilo, em São Miguel de Ceide, um lote de 13 cartas de L. B. e S. a C. C. B., que abarca os anos de 1877 a 1886. Encontramos numa delas informações interessantes sobre o guerrilheiro espanhol D. Santiago Garcia e Mendonça e o período conturbado de 1846. Camilo recorria a uma fonte segura para a recolha de elementos destinados à sua obra Maria da Fonte. Com efeito, Luís Barbosa e Silva, à data do surto revolucionário, era tenente da 5.ª companhia do batalhão fixo em Viana.» [Cabral, 1989: 53]

Alexandre Cabral, por outro lado, reuniu e publicou 24 cartas de C. C. B para L. B. S., seguida cada uma de breve comentário, sendo a primeira datada de 27-05-1857 e a última datável de 25-07-1885 [cf. Cabral, 1984 (II): 130-158].

Eis, agora, o «vulto moral» que o Escritor traça de Luís Barbosa e Silva, no cap. II da narrativa «Do Porto a Braga», incluída em Duas Horas de Leitura:

«L. B. é o typo completo da estremada bondade. Obriga-vos a estimal-o, antes de vos dar de si e das suas qualidades uma ideia justa pela convivencia, e pelo tracto. Tem a alma no semblante. A delicadeza com que vos acolhe chega a ser carinho, sem effeminação, sem o nauseento melindre dos affectados das salas, que julgam estar sempre em trocadilho de finezas com mulheres tôlas. Tem trinta annos, e falla-vos com a madureza dos cincoenta. Não é porque as paixões da mocidade o envelhecessem prematuramente. L B., a meu vêr, rebate os golpes do amor, que incommoda, com o escudo da prudencia. Domina-o a cabeça mais que o coração, se estas duas potencias travam peleja. São em pequeno numero os dotados deste temperamento; e, se a excepção, com o andar dos tempos, viesse a ser regra, a humanidade seria um congresso de anjos, e os fazedores de romances e dramas sanguinarios podiam tractar d'outra vida.
L. B. falla pouco, e nem sempre escuta os que lhe fallam. Abstrae-se, e, para não desconsolar o fallador, dá á cabeça o movimento regular d'uma pendula. Se lhe contaes aventuras de rapaz, escuta-vos com religiosa attenção; mas não espereis uma revelação por outra. O mais que faz é rir-se comvosco das vossas veleidades, e alguma vez da fatuidade com que irriçaes a juba do leão. Não julgueis que o seu sorriso é de credulidade. A bondade não tolhe os foros da critica. L. B. conhece perfeitamente os parvos, e, sabendo em que mundo está, tem o bom siso de os respeitar. Sem isso, elle não teria cathalogado uma excellente collecção de anecdotas contemporaneas, que traz frisantes e salgadas sempre, sem descobrir a creatura ridicula dellas. Resta-me dizer-vos, com grande espanto vosso, que L. B. não é litterato, nem dramathurgo, nem jornalista, nem se quer poeta! Falla e escreve um portuguez chão, desenfeitado, correcto, e claro como a sua physionomia, como as suas intenções, como a sua excellente alma. Homem — e diz-se tudo assim — que lhe merecer a amizade, tem encontrado as delicias de Seneca, o thesouro de Sancto Agostinho, e a pedra philosophal do seculo XIX.
[Branco, 18582: 93-94]

NB1 – Na transcrição foi respeitada a grafia da edição consultada.
NB2 – As fotografias acima reproduzidas foram retiradas de Vasconcelos, 1991: 115 (L. B. S.) e 121 (C. C. B.)

Leituras:
BRANCO, C. C., 18582: «Do Porto a Braga», em Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho.
CABRAL, A., 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco coms os irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de Sousa (Vol. II). Lisboa: Horizonte.
----------- 1989: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho. (2.ª ed., 2003)
VASCONCELOS, Maria Emília Sena de, 1991: «Os Barbosa e Silva, de Viana, e Camilo». Cadernos Vianenses, Tomo XV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 111-127. Disponível também AQUI.
----------- 1999: Velhos vultos de Viana». Cadernos Vianenses, Tomo XXV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 45-54. Disponível também AQUI.


[Continuará]

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