017. Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva [14]
em Duas Horas de Leitura (1857) [IV]
Ora
prosseguindo na apresentação das referências faz aos irmãos Barbosa
e Siva (Luís e José), na crónica «Do Porto a Braga», incluída em Duas Horas de Leitura [cf. aqui], veja o
leitor amigo o Camilo nos diz, no capítulo III.
Depois de nos descrever as razões por que se
considerava «um grande bucólico de estufa» [Branco, 18582: 103], por
um lado, e, por outro, se referir à influência das belezas naturais que, segundo as
estações do ano, inspiram os poetas, o Escritor avança, a caminho da consulta
que, à exceção de Evaristo Basto, iam fazer, em Famalicão, a um tal «bacharel
formado em lombrigas». Meditabundos e cansados da viagem iriam os quatro. Sobretudo depois de terem saboreado, na Carriça, os prazeres gastronómicos e outros de uma tal Mariquinhas.
«[... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...]
Não obstante, na qualidade de viajante, logo que o horisonte se dilatou diante do carro, e os galões sobre melhor pizo diminuiram, aventurei a cabeça fóra das bambinellas para saudar o sol poente.
Não obstante, na qualidade de viajante, logo que o horisonte se dilatou diante do carro, e os galões sobre melhor pizo diminuiram, aventurei a cabeça fóra das bambinellas para saudar o sol poente.
Ha doze
annos, foi aquella a minha hora de poesia. As minhas tristezas doces, os meus
confusos devaneios, a minha costella de Petrarcha sem Laura, tive-a então. Hoje
acontece-me o que é natural. Vejo, e vi o sol no occidente, pelos olhos da face
que pouco vêem de enfraquecidos pelas repetidas ophtalmias dos olhos da alma. O
que fiz foi consultar o relogio para calcular o tempo que nos levaria a
caminhada á Carriça. Os meus
companheiros, mais poetas que eu, iam taciturnos; não é liquido, porém, ainda
se o seu silencio era tedio ou poesia.
J[osé] B[arbosa
e Silva] quebrou a lethargia, perguntando:
“O homem da
bicha está em Villa-Nova? [“]
— É natural —
disse E[varisto] B[asto].
Esta
pergunta, leitor, devia matar, se ella existisse, toda a poesia da hora, do
local, e das circumstancias. Desde aquelle momento, os pinheiros, que bordam a
estrada, affiguraram-se-me bichas solitarias; as listas rubidas do arrebol eram
tenias; tenias eram os frocos dispersos de pequenas nevoas que se esvahiam no
horisonte; e o homem, terror d'esta rainha das lombrigas, pareceu-me, de longe,
um mytho.
Deveis saber
que L[uís Barbosa e Silva], J. B., e eu imaginamos que alojavamos no intimo das
entranhas, cada um, pelo menos, sua tenia. E.B., imaginou tambem que a tinha em
casa. Todos quatro combinamos um plano de ataque contra a alimaria que nos
devorava os sucos. E. B. prevenira o bacharel formado em lombrigas para que nos
esperasse em Villa-Nova; e, para nós, era infallivel, horas depois, estarmos em
lucta com o entezoairo cestoide, tœnia cucurbitania de Lamarck.
E assim,
antevendo uma velhice sadia, graças á extracção do parasita, saudavamos as boas
digestões, um sangue mais puro, um espirito mais desempeçado das roscas do
verme, e, sobre tudo, um tecido adiposo que nos habilitasse a exercer, sem
desdouro, os cargos do municipio, ou a presidencia de uma junta de parochia
illustrada.
Nestas gravissimas
reflexões, chegamos á Carriça, e apeamos. A primeira pessoa que vimos foi a
Mariquinhas, merendando, salvo erro, uma lourejante posta de pescada fritada em
ovos.
[… …
… … …
… … …
… … …]
Anoiteceu.
Saudades amargas da minha cama cobriam-me o coração de crepe. O meu barrete de
dormir alvejou-me no horisonte escuro, como um sonho da virgem em ancias por
ente querido que se lhe perde. Reclinei a fronte calcinada sobre o peito, e
meditei em profundo recolhimento sobre as minhas alparcatas. A intensidade
desta angustia não hão-de os homens entendêl-a, nesta épocha de cascalho e
mala-posta.
Quando a esta
terra vierem barbaros com coração ainda virgem da lepra dos interesses
materiaes, haverá então quem comprehenda as attribulações do viajeiro a
cabecear do somno. Guardo para esses o entendimento do jubilo com que ouvi
dizer:
“Estamos em
Villa Nova.”
Ao mesmo
tempo, exclamou o tendeiro inquilino nos baixos da hospedaria:
“O homem já
cá está em cima.”
— Quem é o
homem? — perguntei eu alvoroçado.
“O homem da
bicha” — replicou o auspicioso tendeiro.
Na
physionomia dos tres, que se imaginavam supplementares á tenia, raiou a luz da
esperança.
Subimos
pressurosos á sala da consulta.
Agora o
vereis.»
[Branco, 18582: 103-107]
Pois é, mas isso é o que meu amigo verá / lerá no próximo post. Camilo termina estrategicamente
neste ponto o terceiro capítulo. A «história da ténia» continua nos próximos
caps. do livro e, logicamente, nos próximos posts
deste blogue.
Leituras:
BRANCO, C. C., 18582:
«Do Porto a Braga», em Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho.
-----------, 2014a: «Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582)
[II]. AQUI.
-----------, 2014b: «Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582)
[III]. AQUI.
NB - Nas
transcrições e citações foi respeitada a grafia das edições consultadas.
[Continuará]