terça-feira, 8 de agosto de 2017

CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (37)]


A carta que hoje transcrevo é de «meados de Dezembro de 1856», segundo admite Alexandre Cabral [1984 (I): 134]. Luís Xavier Barbosa não a compilou nas Cem Cartas [1919]. Assim, Camilo terá estado, - estranhamente, direi - à volta de um mês, sem escrever a José Barbosa e Silva (JBS), pois a missiva anterior era de 14 de novembro [(re)ver “post”]. A não ser que cartas, enviadas nesse intervalo de tempo, tenham sido destruídas.
O Escritor, porém, remetia diretamente, como se depreende desta carta, as suas colaborações para a redação d’A Aurora do Lima. A sede deste jornal, naquela data, situava-se muito próxima da residência dos Barbosa e Silva. Ou seja: o jornal estava sediado na Rua D. Luiz (depois de Sacadura Cabral e, mais recentemente, d’A Aurora do Lima), enquanto a casa dos BS ficava na Rua da Piedade, depois Rua de Mateus Barbosa. [Cf. VIANA & BARROSO, 2009: 77 e AUGUSTA D’ALPUIM & VASCONCELOS, 1983: 237 e ss.] Atualmente, a sede do periódico vianês encontra-se na Rua Manuel Espregueira.
Mas vamos à “velha” carta como “nova”. Nela, além das suas ligações ao Aurora e aos amigos de Viana, Camilo continua a expor-se, como homem, jornalista e escritor.

20.ª)
MEU CARO BARBOSA

Não cuidei que o João Júnior levava a Lisboa um raio do seu facho! É uma glória não ser conhecido. Valia muito esse pseudónimo, se nunca descobrissem o verdadeiro nome. O Candidato tem, na opinião pública, mais algum valor do que eu lhe dei numa correspondência que terás recebido. Crê que nem sequer me lembro de que escrevi uma coisa chocha, mas não tão chocha que não seja superior a esta gentalha. São epigramas eleitorais, que vinham melhor cabidos em folhetim. É uma zombaria do sistema repentino, que indignou alguns partidários do charlatanismo. A terra lhe seja leve! [1]
Eu vou escrever alguns artigos económicos – para a Aurora. Penso que devem lá estar 2 Correspondências e um folhetim inéditos. Não tenho acumulado coisas destas, por ver a facilidade da comunicação, e principalmente do romance, é necessário ter à vista a maior parte dos folhetins publicados para não escrever incoerências. Parece-me que farei literatura ao sabor dos paladares corruptos da gentinha que compra um livro para se rir. Que país, Santo Deus! e que posição tão desgraçada a minha! Ainda hoje começo a sentir a condenação de escrever nesta terra por necessidade! Eu espero tirar-me desta vida, por qualquer meio, cuja decência não questiono… [2]
Agradeço-te muito os cuidados que te merece minha filha. Esteve doente em minha Casa; hoje está no colégio. D. Isabel vive apoquentada com a minha rara frequência no convento. Isto vai expirando lentamente: é necessário. Sem ela, eu hoje viveria em Viana, e parece-me que feliz, quanto posso sê-lo. [3]
O Sam de Sza [Sebastião de Sousa] procurou-me uma vez: não me encontrando disse que voltava, e nunca mais! Que homem tão célebre, ou tão misterioso! Quando vejo destas partidas, pasmo, e não discuto. [4]
Recomenda-me a teus manos –
Teu do c.
Camilo C[astello] Br[anc]o.
[15 de Dezembro de 1856]
[CABRAL, 1984 (I): 133. Respeitada grafia da edição consultada.
Carta não transcrita em BARBOSA, [1919.]

[1] Candidato é Um Candidato, «peça [dramática] de Camilo estreada em benefício de Brás Martins. Camilo (isto é, João Júnior) refere-se ao acto n’A Aurora do Lima (n.º 145, de 4/XII/1856)» – informa Alexandre Cabral – de cuja correspondência transcreve:
«Aconselho o C. Castelo Branco que se deixe de ensaiar a sua veia cómica no teatro, porque sinceramente lho dizemos, é extremamente estéril a sua veia. […]
Não sei se o Candidato voltará a desafiar o gosto do respeitável. Agouro-lhe uma tremenda orquestra de tacão.» [CABRAL, 1984 (I): 134, com remissão para «Dispersos, II, 614-616». O referido texto-carta, porém, encontra-se nas pp. 613-615 deste volume. E o seu compilador e anotador é Júlio Dias da Costa (1925). Respeitada grafia da edição consultada. Cf. também CABRAL, 20032: 159-160. A propósito desta indicação bibliográfica, é de corrigir: Camilo não veio para Viana do Castelo a 16, mas sim a 7 de abril de 1857, como se sabe, e cuja notícia no Aurora está na origem desta série de “posts”. (Re)ver AQUI e seguintes.]
O literato jornalista, pela pena do pseudónimo, critica o dramaturgo. Logo a seguir ao último fragmento da orquestra de tacão, escreve (agora cito eu):
«Tres ou quatro phrases felizes não salvam o infortunio das suas invenções chistosas, d’um chiste que poderá captar o riso n’um folhetim, mas provoca o aborrecimento no palco. Entre seiscentas pessoas que intumeciam o theatro, não havia doze que lhe saboreassem os ditos mais ou menos agudos, jogando sempre com as tricas eleitoraes, que estão ao alcance das pessoas vezeiras no genero. Escreva, pois, romances, em quanto a imaginação lh’os dér, mas fuja da provação da scena que lhe póde dar dissabores.» [Cf. COSTA, 1925 (II): 614. Respeitada grafia da edição consultada.]
Mas o correspondente João Júnior não critica apenas o dramaturgo Camilo. Também não gostou da atuação do ator  Taborda [Francisco Alves da Silva Taborda, 1824-1909]. Observa:
«O Taborda, desconhecedor do dialiecto provinciano, entendeu que o mais natural era aproximal-o, quanto podesse, do gallego. A este erro induziram-no talvez as boas auzencias que os lisboetas nos fazem. Nós, lá, os minhotos, somos reputados gallegos, e o snr. Taborda teve a desgraça de arriscar a sua muita habilidade no desempenho d’uma scena de triumpho tanto mais dificil, quanto era duvidoso o merecimento d’ella.» [Cf. id.: ibid.]

[2] Camilo não desiste de estudar e de escrver sobre economia. Já em cartas anteriores se referia a este seu novo interesse. [(Re)ver “posts”, nomeadamente, ESTE e ESTE.] Os artigos económicos prometidos, bem como as duas correspondências e um folhetim inéditos que devem lá [sede do jornal] estar, serão identificados e tratados quando “post(s)” e/ou artigo(s) dedicar às colborações do Escritor n’A Aurora do Lima.

[3] Este parágrafo já foi transcrito e anotado em “post” anterior, a propósito das relações de Camilo com «D. Isabel Cândida (a freira)». [(Re)ver ESTE, entre vários outros.]

[4] Sobre Sebastião de Sousa, (re)ver “post”.

Até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo!

Referências:
AUGUSTA D’ALPUIM, Maria & VASCONCELOS, Maria Emília de, 1983: Casas de Viana Antiga. Viana do Castelo. Centro de Estudos Regionais.
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre Cabral, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
------------, 20032: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
COSTA, Júlio Dias da, 1925: Dispersos de Camillo (Vol. II). Coimbra: Imprensa da Universidade.
VIANA, Rui A. Faria & BARROSO, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo.

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