CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (37)]
A carta que hoje transcrevo é de
«meados de Dezembro de 1856», segundo admite
Alexandre Cabral [1984 (I): 134]. Luís Xavier Barbosa não a compilou nas Cem Cartas [1919]. Assim, Camilo terá
estado, - estranhamente, direi - à volta de um mês, sem escrever a José Barbosa
e Silva (JBS), pois a missiva anterior era de 14 de novembro [(re)ver
“post”]. A não ser que cartas, enviadas nesse intervalo de tempo,
tenham sido destruídas.
O Escritor, porém, remetia diretamente,
como se depreende desta carta, as suas colaborações para a redação d’A Aurora do Lima. A sede deste jornal, naquela
data, situava-se muito próxima da residência dos Barbosa e Silva. Ou seja: o
jornal estava sediado na Rua D. Luiz (depois de Sacadura Cabral e, mais
recentemente, d’A Aurora do Lima),
enquanto a casa dos BS ficava na Rua da Piedade, depois Rua de Mateus Barbosa.
[Cf. VIANA & BARROSO, 2009: 77 e AUGUSTA
D’ALPUIM & VASCONCELOS, 1983: 237 e ss.] Atualmente, a sede do periódico vianês
encontra-se na Rua Manuel Espregueira.
Mas vamos à “velha” carta como “nova”.
Nela, além das suas ligações ao Aurora
e aos amigos de Viana, Camilo continua a expor-se,
como homem, jornalista e escritor.
20.ª)
MEU CARO BARBOSA
Não cuidei que o João Júnior
levava a Lisboa um raio do seu facho! É uma glória não ser conhecido. Valia
muito esse pseudónimo, se nunca descobrissem o verdadeiro nome. O Candidato tem, na opinião pública, mais algum valor do que eu lhe dei numa
correspondência que terás recebido. Crê que nem sequer me lembro de que escrevi
uma coisa chocha, mas não tão chocha que não seja superior a esta gentalha. São
epigramas eleitorais, que vinham melhor cabidos em folhetim. É uma zombaria do
sistema repentino, que indignou alguns partidários do charlatanismo. A terra
lhe seja leve! [1]
Eu vou escrever alguns artigos
económicos – para a Aurora. Penso que devem lá estar 2
Correspondências e um folhetim inéditos. Não tenho acumulado coisas destas, por
ver a facilidade da comunicação, e principalmente do romance, é necessário ter
à vista a maior parte dos folhetins publicados para não escrever incoerências.
Parece-me que farei literatura ao sabor dos paladares corruptos da gentinha que
compra um livro para se rir. Que país, Santo Deus! e que posição tão desgraçada
a minha! Ainda hoje começo a sentir a condenação de escrever nesta terra por
necessidade! Eu espero tirar-me desta vida, por qualquer meio, cuja decência
não questiono… [2]
Agradeço-te muito os cuidados
que te merece minha filha. Esteve doente em minha Casa; hoje está no colégio.
D. Isabel vive apoquentada com a minha rara frequência no convento. Isto vai
expirando lentamente: é necessário. Sem ela, eu hoje viveria em Viana, e
parece-me que feliz, quanto posso sê-lo. [3]
O Sam de Sza
[Sebastião de Sousa] procurou-me uma vez: não me encontrando disse que voltava,
e nunca mais! Que homem tão célebre, ou tão misterioso! Quando vejo destas
partidas, pasmo, e não discuto.
[4]
Recomenda-me a teus manos –
Teu do c.
Camilo C[astello] Br[anc]o.
[15 de Dezembro de 1856]
[CABRAL, 1984 (I): 133. Respeitada grafia da edição
consultada.
Carta não transcrita em BARBOSA,
[1919.]
[1] Candidato é Um Candidato, «peça [dramática] de
Camilo estreada em benefício de Brás Martins. Camilo (isto é, João Júnior)
refere-se ao acto n’A Aurora do Lima
(n.º 145, de 4/XII/1856)» – informa Alexandre Cabral – de cuja correspondência transcreve:
«Aconselho o C. Castelo Branco que se
deixe de ensaiar a sua veia cómica no teatro, porque sinceramente lho dizemos,
é extremamente estéril a sua veia. […]
Não sei se o Candidato voltará a desafiar o gosto do respeitável. Agouro-lhe uma
tremenda orquestra de tacão.» [CABRAL, 1984 (I): 134, com remissão para «Dispersos, II, 614-616». O referido
texto-carta, porém, encontra-se nas pp. 613-615 deste volume. E o seu compilador
e anotador é Júlio Dias da Costa (1925). Respeitada grafia da edição
consultada. Cf. também CABRAL, 20032:
159-160. A propósito desta indicação bibliográfica, é de corrigir: Camilo não
veio para Viana do Castelo a 16, mas sim a 7 de abril de 1857, como se sabe, e
cuja notícia no Aurora está na origem desta série de “posts”. (Re)ver AQUI e seguintes.]
O literato jornalista, pela pena do
pseudónimo, critica o dramaturgo. Logo a seguir ao último fragmento da orquestra de tacão, escreve (agora cito
eu):
«Tres ou quatro phrases felizes não
salvam o infortunio das suas invenções chistosas, d’um chiste que poderá captar
o riso n’um folhetim, mas provoca o aborrecimento no palco. Entre seiscentas
pessoas que intumeciam o theatro, não havia doze que lhe saboreassem os ditos
mais ou menos agudos, jogando sempre com as tricas eleitoraes, que estão ao
alcance das pessoas vezeiras no genero. Escreva, pois, romances, em quanto a
imaginação lh’os dér, mas fuja da provação da scena que lhe póde dar
dissabores.» [Cf. COSTA, 1925 (II):
614. Respeitada grafia da edição consultada.]
Mas o correspondente João Júnior não critica apenas o dramaturgo Camilo.
Também não gostou da atuação do ator Taborda
[Francisco Alves da Silva Taborda, 1824-1909]. Observa:
«O Taborda, desconhecedor do
dialiecto provinciano, entendeu que o mais natural era aproximal-o, quanto
podesse, do gallego. A este erro induziram-no talvez as boas auzencias que os
lisboetas nos fazem. Nós, lá, os minhotos, somos reputados gallegos, e o snr.
Taborda teve a desgraça de arriscar a sua muita habilidade no desempenho d’uma
scena de triumpho tanto mais dificil, quanto era duvidoso o merecimento
d’ella.» [Cf. id.: ibid.]
[2] Camilo não desiste de estudar e de escrver sobre economia.
Já em cartas anteriores se referia a este seu novo interesse. [(Re)ver “posts”,
nomeadamente, ESTE e ESTE.] Os artigos económicos prometidos, bem como as duas correspondências e um folhetim inéditos que devem lá [sede do jornal] estar, serão identificados e tratados
quando “post(s)” e/ou artigo(s) dedicar às colborações do Escritor n’A Aurora do Lima.
[3] Este parágrafo já foi transcrito e anotado em “post”
anterior, a propósito das relações de Camilo com «D. Isabel Cândida (a freira)».
[(Re)ver ESTE, entre vários outros.]
Até ao próximo!
E continue a (re)ler Camilo!
Referências:
AUGUSTA D’ALPUIM, Maria &
VASCONCELOS, Maria Emília de, 1983: Casas
de Viana Antiga. Viana do Castelo. Centro de Estudos Regionais.
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem
Cartas de Camillo. Lisboa:
Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre Cabral,
1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e
Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.
------------, 20032: Dicionário de Camilo Castelo Branco.
Lisboa: Caminho.
COSTA, Júlio Dias da, 1925: Dispersos de Camillo (Vol. II). Coimbra:
Imprensa da Universidade.
VIANA, Rui A. Faria & BARROSO,
António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do
Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo.
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