CAMILO &M VIANA
[1857: “velha” como “nova” (39)]
Ora
aqui tem, paciente leitor, a carta integral anunciada no “post”
anterior. Os seus compiladores atribuem-lhe a
data de 5 de janeiro de 1857. A ser assim, Camilo escreveu duas cartas a José
Barbosa e Silva (JBS) em dois dias consecutivos. A carta precedente, Xavier
Barbosa datou-a de 4, como (se) leu, datação possível que Alexandre Cabral não
contesta, embora não tenha visto o
autógrafo, porque entretanto foi destruído.
A
missiva de hoje é, de facto, (mais)
um documento epistolar importante, revelador
do estado psicológico de Camilo (incluindo a nível afetivo, censurado pelo
sobrinho de JBS), em princípios de 1857. E também a nível profissional, em
particular, que é neste “velha” como “nova” que mais nos interessa, das
renovadas relações do Escritor com o Aurora
do Lima.
JBS deve ter apresentado ao amigo
do Porto novo convite e nova proposta para que assumisse a direção do jornal,
com uma remuneração que, subentende-se, seria irrecusável. O «quartinho», a que
Camilo se refere na carta, diz respeito «ao pagamento em dinheiro de
colaborações e correspondência a 1$200 réis.» [CABRAL, 1984 (I): 138]
Recorde-se que, em princípios de
setembro de 1856, Camilo teve acordado com JBS a sua vinda para Viana, a fim de
dirigir e redigir o Aurora. Só que… [(Re)ver “post” e seguintes.]
Eis, assim, a referência
22.ª)
MEU CARO BARBOSA
Agradeço as tuas
consolações por que são ellas de q[ue]m precisa ser consolado. Dous infelizes
(parece um paradoxo) são os que podem e sabem melhor consolar-se. E’ verdade:
eu creio que o meu desalento poderia cobrar forças, se me dessem um horisonte
mais largo. Aqui morre-se sem gloria, curtindo dores inconsolaveis, insultados,
injuriados todos os dias.
Este eterno Fausto, meu caro Barbosa! Que tremendas
solidões as da alma que ergueu em bronze eterno a estatua onde se devem rever
todos os desgraçados! Eu tenho inscripto o Goethe no cathalogo dos meus santos.
[Olha: há meses, 2 ou 3, houve uma bela
mulher que me chegou à alma. Cuidei que ressurgia! Amei-a tanto, sonhei-a,
adorei-a, consubstanciei-a comigo, tracei um caminho de flores no meu porvir
com ela. E vai depois, prendo-lhe os olhos e o coração, reconheço-a ferida do
mesmo golpe, e instantaneamente vem a desanimação, o gelo, o estado normal!
Sabes como se fica depois destas vibrações galvânicas? Se sabes… E era tão
linda, tão cheia de sentimentos grandes! Gosto tanto de ler ainda hoje as
cartas dela, onde transluz fé, e inocência! Fé em mim!
Bela transição:]
Poderei eu
desempenhar o que tu queres? Saberei escrever industria, commercio, e não sei
que outras idealidades Osseanicas? Veremos, trabalharei, lerei, p[o]r q[ue] em
fim, la torna o Chatterton – é preciso
escrever .
O quartinho é
bastante, é até de mais, atendendo ao pouco cabedal de estudo que tenho gasto
na especialidade. Vou comprar alguns livros, e farei o que fazem as illustrações
financeiras e economicas. Ora diz-me: os folhetins «Scenas da Foz» tamb{e]m
entram no numero dos escriptos comtemplados? Como fallas em folhetins… Eu tenho
trabalhado m[ui]to pouco; tem sido causa a m[inh]a doença utroque júris. O Clamor queixa-se, clama, e não é mais feliz que S.
João Bapt[is]ta. Sinto-me em certos dias besta, prodigiosamente burro! Que
fazer então? tomo pilulas opiadas, durmo, e desperto com uma dor de estomago,
mas como corte de 12 horas na vida!
Deve-se ser bem
infeliz quando assim se incurta o pequeno prazo d’ella.
Vou principiar a
olhar com mais cuidado p[a]ra a Aurora.
Se eu fosse a
Lisboa, como já me lembrou, no mês q[ue] vem, p[a]ra, segundo indicação do
A[lexandre] Herculano, negociar ali um editor certo d’algum livro – podia de la
mandar-te importantes correspondencias. Veremos. Ainda que vá, não me apeies da
tribuna da Aurora. Isto p[o]r ora é
projecto, que não terá melhor realização q[ue] os outros.
Teu agradecido am[ig]o
(Porto,
5 de Janeiro de 1857.)
C[amillo] Cast[ello] Branco.
{BARBOSA, [1919]: 27-29 e CABRAL,
1984 (I): 135-136.
Respeitadas grafias das edições consultadas. Na transcrição,
desenvolvi formas abreviadas.
O terceiro parágrafo encontra-se apenas em
Cabral, 1984 (I).}
Dada a extensão desta carta,
comentários, julgados, a meu ler, pertinentes, serão apresentados no próximo
“post”. A fim de não sobrecarregar este.
Até ao próximo, então!
E continue a (re)ler Camilo! Por
exemplo: Cenas Inocentes da Comédia
Humana (1863). Nomeadamente, a novela «A Carteira de um Suicida».
Referências:
BARBOSA, Luís Xavier, [1919]: Cem
Cartas de Camillo. Lisboa:
Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camilo Castelo, 19725: Cenas Inocentes
da Comédia Humana. Lisboa: Parceria A. M. Pereira.
-------------, 19725:
«A Carteira de um Suicida». Em BRANCO, 19725: 143-174. Também em José Viale
MOUTINHO (org.), 2016: Camiliana
2 – Todos os Contos, Novelas Curtas e Romances Breves de Camilo Castelo Branco. S/l:
Círculo de Leitores; pp. 473-488.
CABRAL, Alexandre Cabral,
1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e
Silva – I. (Escolha, prefácio e comentários de). Lisboa: Horizonte.