Cláudio
Basto e Camilo.
0. Introdução
Cláudio
Basto, médico e ilustre figura vianesa das ciências sociais, da filologia e da
literatura, que viveu entre finais do séc. XIX e meados do séc. XX, também se
dedicou ao estudo da obra de Camilo Castelo Branco, tendo-lhe dedicado vários
trabalhos.
Far-se-á,
nestes apontamentos, à apresentação crítica dessas publicações. Procura-se,
deste modo, contribuir para um melhor conhecimento da bibliografia passiva
camiliana, desejando-se, ao mesmo tempo, tornar (mais) acessíveis os trabalhos deste
erudito vianês, cujo valor intelectual continua a não ser devidamente
(re)conhecido pelos seus conterrâneos, ao não se ter a sua obra criticamente reeditada
e estudada.
Cláudio (Filipe de Oliveira) Basto nasceu em Viana do Castelo, em
agosto de 1886. Concluídos os estudos liceais, nesta cidade (curso geral) e em
Braga (complementar), foi estudar para o Porto, na Academia Politécnica, onde
fez os «preparatórios médicos» e, de seguida, na Faculdade de Medicina, onde concluiu o curso médico-cirúrgico, em 1911, com a defesa da tese Alma Doente: a génese da psicastenia, em
outubro de 1912.
Apesar
da sua formação académica, não exerceu a clínica privada. Foi, não obstante,
médico escolar e presidente da Junta Delegada da Sanidade Escolar, em Viana do
Castelo. Preferiu dedicar-se ao ensino, lecionando disciplinas das áreas de ciências
e de letras. Entre 1911 e 1929, em escolas de Viana (Liceu, Escola do Ensino
Normal, Escola Primária Superior de João da Rocha, Escola Industrial e
Comercial de Nun’Álvares)[1]. No ano letivo de 1929-30, é
professor efetivo na Escola Industrial de Passos Manuel (Vila Nova de Gaia), e,
no ano seguinte, até 1944, na Escola Industrial de Faria Guimarães (Porto).
Embora
tenha escrito também poesia e narrativas, foram os estudos de recolha e
investigação, realizados sobretudo nos domínios da filologia e da etnografia,
da literatura e da crítica, que afirmaram o seu nome a nível nacional e internacional.
Foi sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e pertenceu a
várias sociedades e coletividades científicas e culturais, portuguesas e
estrangeiras[2]. Prova o valor e o interesse pelos
seus trabalhos a colaboração que deu a prestigiadas revistas portuguesas e
estrangeiras, bem como o número e estatuto cultural dos colaboradores que, na Miscelânea, publicaram textos em sua
homenagem[3].
Encontram-se
aqui reconhecidos e prestigiados nomes da cultura portuguesa, como Abel Viana,
Aquilino Ribeiro, Augusto César Pires de Lima, Fidelino de Figueiredo,
Francisco Torrinha, Joaquim de Carvalho, Luís Chaves, Orlando Ribeiro, Rodrigo
de Sá Nogueira, e de estrangeiros (Fermin Bouza Brey, Philéas Lebesgue e
Wilhelm Giese). Em textos de índole memorialista e testemunhal,
uns,
científicos e de crítica literária, outros, os seus autores manifestam o
elevado apreço que haviam tido e mantinham por Cláudio Basto. Acrescente-se que
o estudioso vianês conviveu de perto com figuras importantes da cultura
portuguesa do seu tempo: Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, Leite de
Vasconcelos, José Joaquim Nunes, Gonçalves Viana, Cândido de Figueiredo, João
da Rocha, Figueiredo da Guerra, José Caldas, Júlio de Lemos e Manuel Couto
Viana, além de outros.
A
terra e sobretudo as gentes de Viana do Castelo (cidade, concelho e distrito),
nos seus usos, costumes e tradições populares, a nível etnográfico e
linguístico, estiveram constantemente sob observação e estudo, análise e
divulgação de Cláudio Basto. Nunca, porém, com visões regionalistas e muito menos
bairristas, mas segundo, sempre, uma perspetiva alargada, nacional e mesmo
internacional, por comparação e confronto com manifestações idênticas de outras
regiões e culturas. Para o efeito, além dos trabalhos que espalhou por
periódicos locais e regionais, nacionais e estrangeiros, cofundou e dirigiu as
revistas Lusa, Límia e Portvcale[4], de que oportunamente se falará, tendo
sido também redator e colaborador de outras publicações periódicas vianesas[5].
A
obra de Cláudio Basto, entre crónicas, artigos, estudos, ensaios, prefácios, crítica,
ronda as três centenas de títulos. Alguns são recolhas de trabalhos que
publicara em periódicos e que depois organizou em edição autónoma. Outros são
ensaios filológicos sobre as linguagens
de Camões, Camilo, Eça e Fialho. Deixou-nos também separatas de artigos, por
vezes revistos e aumentados. Escreveu vários verbetes (entradas) para a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira[6], sendo um deles, precisamente «Camilo»[7].
«Impossível
mencionar todos os números-únicos, jornais e revistas [nacionais e
estrangeiros] em que [Cláudio Basto] colaborou», refere o autor da «Notícia
biobibliográfica». No entanto, nomeia os seguintes:
«Volkstum und Kultur der Romanen, de Hamburgo; Revista de Cultura, do Rio de Janeiro; Nós, de Orense; Revista
Lusitana, Revista de Guimarães, Arquivo Nacional de Ex-Libris, Terra Portuguesa, Alma Nova, Instituto
(Coimbra), Arquivo Literário, Língua Portuguesa, Portugal Médico, Tríptico
(Coimbra), Gente Minhota, A Águia, Revista de Portugal, Brasília,
além de outras revistas de cultura.»[8]
A
fim de não sobrecarregar este primeiro apontamento com dados sobre a vida e a obra
de Cláudio Basto, remete-se, desde já, o leitor interessado para:
-
BASTO (org.) [9], com referências bibliográficas pormenorizadas
de quanto, quando, onde e como o autor publicou, em cada ano, entre 1907 e 1944;
-
Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira[10], onde encontra uma listagem bio-bliográfica,
bastante completa, mais simplificada, porém, que a anterior;
-
Instituto Camões, síntese biobibliográfica de Cláudio Basto
-
RODRIGUES[13] faz uma breve leitura da vida e
da obra de Cláudio Basto, relevando sobretudo os estudos que o erudito vianês
publicou na Revista Lusitana.
No
próximo apontamento, abordar-se-á a primeira nota camiliana de Cláudio Basto. Nela, o autor transcreve e comenta
uma carta que Camilo dirigiu a Silva Pinto, publicada pelo destinatário, sem,
contudo, respeitar, integralmente, o autógrafo do Escritor.
Obs.
- O retrato de Camilo, datada de 1882, é
cópia da que se encontra em Gravuras de
Camilo na Imprensa Nacional de Lisboa, 1925, p. [8], em edição fac-similada
da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982.
- O de Cláudio Basto encontra-se em Basto
(org.), 1948, entre as pp. 6-7.
[1] Cláudio Basto
foi aluno e docente no antigo Liceu de Viana. Não no edifício atual, inaugurado
em 1946. Até esta data, o ensino liceal, nesta cidade, funcionou em várias
instalações provisórias: Convento de S.
Domingos, Palacete Sotto-Maior e Casa
dos Quesados. Cláudio Basto terá estudado no Palacete e ensinado na Casa.
[2] BASTO, Hermínia
(org.), 1948: Miscelânea de Estudos à
Memória de Cláudio Basto, Porto. Hermínia [Costa de Oliveira] Basto,
responsável pela organização do volume, foi colega, no curso de medicina, e
esposa do homenageado. O autor da «Notícia biobibliográfica», que abre a Miscelânea, refere que o autor chegou a
ser «convidado em 1924 para reger uma cadeira de Português na Universidade de
Hamburgo, lugar que não aceitou por não querer sair de Portugal.» [Id., p. 10]
[3] Colaboram 41
autores, 40 dos quais assinados. Só a «Notícia biobibliográfica» é anónima. É de
atribuir a sua autoria, por isso, à viúva, que, para o efeito, deve ter contado
com a colaboração do filho de ambos, Hermínio Cláudio Basto.
[4] Cláudio Basto
fundou, com João da Rocha e João Páris, a Límia
(1910 -1912); a Lusa (1917-1924),
com Pedro Vitorino; e Portvcale
(1928-1955), com Augusto Martins e Pedro Vitorino.
[5] Em A Aurora do Lima, Beliscos, Ferrão, Folha de Viana, Gazeta de Viana
e O Povo, entre outras. Sobre a
história de cada um destes periódicos, cf.
VIANA, Rui & BARROSO, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara
Municipal.
[6] Para uma
desenvolvida da vida e obra do autor, ler BASTO (org.), 1948: 9-31. Em nota de
rodapé, é referido: «Esta notícia, a que agora se fizeram alguns acréscimos,
foi publicada na revista Portvcale,
vol. XVIII, págs. 66-84.» Para informação mais precisa, acrescente-se que a
referida notícia saiu no n.º duplo 105-106, meses maio-agosto de 1945, com o
título de «Dr. Cláudio Basto», assinado pela «Redacção». Este n.º traz como
único diretor - Hermínio Cláudio Basto - filho do biografado. Com a morte de
Pedro Vitorino (1882-1944), também médico, Hermínio Basto entra na direção da
revista, ao lado do pai, sob cuja direção saiu o n.º duplo 103-104,
janeiro-abril de 1945. O outro fundador da Portvcale,
Augusto Martins, professor de Matemáticas, Físico-Químicas e Desenho, nascido
em 1885, havia falecido em 1932.
[7] Além do verbete
sobre Camilo, são de referir também os que escreveu sobre «Cantiga», «Casa
Portuguesa», «Conto», «Coração», «Danças populares», «Dialetos portugueses»,
«Dinis (Júlio)» e «Ditados populares».
[8] Basto (org.),
1948: 13.
[9] BASTO (org.),
1948, pp. 9-31. A bibliografia encontra-se nas pp. 14-31.
[10] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
Vol. IV, pp. 345-346.
[11] VERDELHO, Telmo,
1995: «BASTO (Cláudio Filipe de Oliveira)». Biblos
– Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, Vol. 1, pp.
606-607.
[12] ALMEIDA. Justino
Mendes de, 1989: «Cláudio Basto, notável investigador vianês». Estudos Regionais – Revista de Cultura do
Alto Minho, n.º 5 (junho). Viana do Castelo, pp. 39-51.
[13] RODRIGUES, David
F., 2012: «Cláudio Basto na Revista
Lusitana». A Falar de Viana: Viana
do Castelo: Vianafestas; pp. 261-271.