013. Camilo & Frei Bartolomeu dos
Mártires
em O
Senhor do Paço de Ninães (1867)
Depois de ter apresentado as referências explícitas que,
em Doze Casamentos Felizes (1861), Camilo
faz a frei Bartolomeu dos Mártires (ver aqui e aqui), apresento
neste post as que o Escritor faz ao
arcebispo bracarense e ilustre figura religiosa, cultural e social de Viana do
Castelo, então vila de Viana da Foz do Lima, no romance O Senhor do Paço de Ninães (1867).
A primeira referência explícita ao
célebre arcebispo, neste romance, encontra-se no seguinte
fragmento:
[Branco, 19195:
26-27]
Com a nota, Camilo cita a descrição
que, do «tronco da árvore», fizera frei Luís de Sousa [1984:77]:
O romancista já antes, no início
do cap. III do romance, se referira a esta grandiosa árvore que, baseando-se
de novo em Sousa, era «um façanhoso carvalho, cuja corpulencia anda celebrada
nas chronicas e corografias». {O Escritor remete, em nota, para A Vida do Arcebispo, liv.º 1.º, cap.
XIV, de frei Luiz de Souza e para a Corographia
[Portugueza (…)] de [Antonio] Carvalho [da Costa], tomo 1.º, pag. 329.} Consultei
a Corografia e, de facto, Carvalho da
Costa escreve, a dado passo: «Na Aldea de Rebordello, que antigamente se chamou
Reboredo, està a [casa] do Mestre de Campo Manoel Correa de Lacerda, senhor de
Fralães, & dentro do pateo tem hum grande carvalho, que o cobre todo, a
mais fermosa arvore para o intento de quantas tenho visto.» [Costa, 1706 (tomo
I): 329. Em O Senhor da casa de Ninães,
Camilo escreve «Roboredo» e «Farelães».]
A
segunda referência a frei Bartolomeu dos Mártires, em O Senhor do Paço de Ninães, é, ainda hoje, polémica: abordaa presunção
de falta de patriotismo do arcebispo e senhor de Braga e primaz das Espanhas,
aquando das lutas civis que então se travaram, após a morte do cardeal-rei D.
Henrique. Os portugueses dividiram-se em dois grupos antagónicos. De um lado, estavam
os adeptos de D. António, prior do Crato, «rei do povo» [Branco, 19195: 127]. Do outro, os que se lhe opunham (em
geral a alta nobreza e alto clero), aderindo ao partido (pretensões e interesses)
de Filipe II de Espanha. Interesses que, evidentemente, não seriam apenas deste
monarca, mas também daqueles que o seguiam e apoiavam. Eis
o fragmento:
Não
cabe, neste post, analisar a célebre polémica
do patriotismo de frei Bartolomeu dos Mártires. A questão tem sido tratada,
discutida e analisada, desde que surgiu, em 1866, entre, sobretudo, dois
jornais de Braga: O Partido Liberal,
por um lado, e O Bracarense, por
outro. Camilo participou ativamente, tomando a posição do primeiro periódico. A
polémica rebentou quando Joaquim Alves Mateus, «cónego da Sé de Braga», trata «frei
Bartolomeu de “vil traidor da Pátria e falsificador do sufrágio do povo”», na
crise nacional de 1580. [Cabral, 1989: 87-88] O povo, o baixo clero e a baixa
nobreza, apoiavam e queriam, em geral, D. António, prior do Crato, como rei de Portugal. Ao ser desencadeada por clérigo, é muito provável que a
referida polémica servisse também para manifestar as rivalidades e as intrigas
dentro da poderosa igreja bracarense. [Sobre esta controversa e polémica
questão, ver também Anselmo, 1992; Cabral, 1981: 7-61; Caldas, s/d e s/da; D’Albuquerque,
1895; Gomes, 1990:99-15; Junior, s/d; Machado, 1932:131-132; Sousa, 1984: cap.
XIII e XIV, Livro IV; pp. 496-505.]
Hei
de, em posts futuros, abordar, dentro
das minhas possibilidades, esta questão, quando tratar das relações que Camilo
travou com José Caldas, historiador vianês que também escreveu, por encomenda
do então arcebispo de Braga, D. João Crisóstomo de Amorim Pessoa (franciscano),
uma nova biografia de frei Bartolomeu dos Mártires, a qual viria a gerar nova
polémica, em que também Camilo participou, em apoio do seu amigo vianês.
Para
ajudar a situar os fragmentos apresentados, convirá resumir O Senhor do Paço de Ninães, novela que
tem o centro narrativo na região do Baixo Minho, em particular Famalicão, mas alargando-se também a outras partes do país, da Europa e mesmo do Oriente (Índia
e Macau).
«Rui
Gomes de Azevedo, o senhor do Paço de Ninães, tem vinte anos em 1576 e ama uma
prima da mesma idade, Leonor {Correia de Lacerda que, “além de nobilíssima, era
rica, e sobre rica, formosa” [Branco, 19195: 12]}. O desgosto
causado pela traição desta [aos 15 anos haviam-se comprometido a casar aí pelos 20], que
vem a casar por conveniência com [outro primo] João Esteves Cogominho {“um
compêndio de vícios” [id.: 22]},
leva-o a participar na jornada de Alcácer Quibir (apesar de discordar das
conquistas de além-mar), com os primos António e João de Azevedo, aí sendo
feito cativo. Resgatado, e recusando a submissão a Castela, Rui dá o seu apoio
ao Prior do Carto, seguindo-o até à morte dele. Parte então para o Oriente, onde vive
anonimamente como mercador, primeiro, e como ermitão, depois. De regresso ao
Minho, em fins de 1622, como romeiro anónimo, inteira-se da infelicidade de Leonor, há anos entrevada e enlouquecida pelo remoroso de havê-lo traído; visita-a então e perdoa-lhe, revelando-lhe que nunca deixara de a amar. Morre em 1623, no Mosteiro de
Landim.» {R[ocheta], 2002: 561. Adaptado]}
O
enredo desta novela é muito mais complexo do que este breve resume mostra. As
relações afetivas entre os amantes, fiéis e/ou infiéis, andam estreitamente
ligadas aos conturbados tempos políticos em que decorrem. Não há como (re)ler a
romance para se saber como Camilo romanescamente relata e entrelaça tudo isto,
a nível amoroso, social, político e mesmo familiar. Aliás, vale a pena sempre
(re)ler Camilo, na diversidade da sua obra, se quisermos conhecer, não só romanescamente, como a uma primeira leitura poderá parecer, a história
portuguesa do século XIX, a nível antropológico, político e social.
Leituras
AA.VV., 2014: D. Frei Bartolomeu dos Mártires (Colectânea
de Textos). Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo. (Org. de
Rui A. Faria Viana).
ANSELMO, A., 1992: Entre Gigantes –
Camilo, José Caldas e Frei Bartolomeu dos Mártires. Viana do Castelo:
Centro de Estudos Regionais.
BRANCO, C. C., 1861: Doze Casamentos Felizes. Porto:
Tipografia da Revista.
------------------, 1919: O Senhor da
Casa de Ninães (5.ª ed.). Lisboa: Parceria A. M. Pereira.
CABRAL, A., 1981: Polémicas de Camilo Castelo Branco (Vol.
V). Lisboa: Horizonte.
----------------, 1989: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa:
Caminho.
CALDAS, J., s/d: D. Frei Bartolomeu
dos Mártires. Coimbra: Coimbra Editora.
----------------, s/da: Vinte Cartas
de Camilo Castelo Branco (1876-1885). Porto: Companhia Portuguesa Editora.
COSTA, A. C. da, 1706: Corografia
Portugueza e Descripçam Topografica do Famosos Reyno de Portugal […] (Tomo
1.º). Lisboa: Valentim da Costa Deslandes.
D’ALBUQUERQUE, M., 1895: D. FR.
Bartholomeu dos Martyres e a Usurpação dos Filippes com as Cartas de Camillo
Castello Branco. Braga: Livraria Central.
FERRAZ, M. de L. A. (org.), 2002: Dicionário
de Personagens da Novela Camiliana. Lisboa: Caminho.
GOMES, P., 1990: «A Grande Refrega sobre o Patriotismo de D. Fr. Bartolomeu
dos Mártires (Textos de Camilo e de José Caldas)». Em, 1990: IV Centenário da Morte de Dom Frei
Bartolomeu dos Mártires (Actas do Colóquio Comemorativo). Lisboa:
Associação dos Arqueólogos Portugueses; pp. 99-153.
JUNIOR, J. C. A. M., s/d: Cartas
Notaveis de Camillo Castello Branco: O Patriotismo de Fr. Bartolomeu dos
Martyres / O Castello de Lanhoso / O Mosteiro de Tibães. Prto: Livraria
Universal.
MACHADO,J., 1932: «Uma carta de D. Frei Bartolomeu dos Mártires a El-Rei D.
Filipe II». Anuário do Distrito de
Viana-do-Castelo (vol. I). Viana-do-Castelo: Emp[resa]Gráf[ica] do
«Notícias de Viana», pp. 131.132.
R[OCHETA], M. I., 2002: «(O) Senhor do Paço de Ninães». Em FERRAZ, 2002:
561-565.
SOUSA, Frei Luís de, 1984: A Vida de
D. Frei Bertolameu dos Mártires (...). Lisboa: IN-CM.
NB –
Respeitou-se, nas citações, a grafia das edições consultadas. Fotografias colhidas na internete.