020. Camilo & e os irmãos Barbosa e Silva [17]
em Duas Horas de Leitura (1857) [VII]
Após terem consultado, com os
resultados já conhecidos [ver AQUI
e AQUI],
o célebre dr. das lombrigas, os quatro peregrinos de Braga, depois de jantarem
com o ilustre especialista em ténias, pernoitaram divertidos em Famalicão. Na
manhã do dia seguinte, continuaram a peregrinação, cada um entretido em pensamentos, ainda que só Camilo revele os seus.
«Os dedos rosados da Aurora –
escreve Camilo – afastavam a cortina da noite.» E a partir desta «figura que
enche as medidas dos gothicos admiradores do passado» [Branco, 18582:
123], o Escritor tece, em primeiro lugar, uma reflexão irónica (mas poucos
serão os escritos camilianos onde não abunde a ironia) sobre a originalidade
dos escritores seus contemporâneos. Descreve, depois, a genealogia mítica da
Aurora, bem como das suas fidelidades e infidelidades conjugais. Camilo ainda
quis fazer uns versos, mas tendo-lhe saído coxos, pôs-se a cismar sobre a
baixeza dos homens face à amizade dos animais, nomeadamente do seu cão. Até
que,
N'estas, e
outras cogitações scismava a alma, quando o frio me espertou d'aquellas
somnolencias desagradaveis. Vi que J[osé] B[arbosa e Silva] ia na táboa, ao
lado do sota, com a orelha recatada da brisa. E[varisto] B[asto] espancava o
somno esfregando os olhos, rebeldes ás delicias matutinas. L[uís] B[arbosa e
Silva] parecia-me de todos o mais mimoseado da poesia do local, porque levava
os olhos no céo, e, de vez em quando, celebrava a belleza de uma moita tapetada
de fentos, ou o recosto d'uma collina frondosa de carvalhos.
O silencio
era profundo, interrompido apenas pelo upa animador do cocheiro, que raras
vezes approveitava a sua apostrophe aos rocins fleugmaticos.
L. B.
interrompeu deste modo:
— E preciso
almoçar em Braga. Lembro-lhes que é necessario pedir no botequim café forte;
não se pedindo do forte, dão-nos do fraco. Eu tive a felicidade de apanhar este
segredo de cafeteira a um admirador da civilisação bracharense no artigo
“botequim.” Disse-me elle, perguntando-lhe eu se os cafés eram bem servidos, que não havia mais que a gente pedir café
forte, e davam por um vintem uma taça de café ao pintar.”
Com esta consoladora
noticia, sentimo-nos espiritualisados. A certeza do café forte deu-nos alma. J.
B. veio sentar-se comnosco, e discorreu largamente sobre variedades de
locomotivas que vira por esses mundos de Christo.
[Branco, 18582: 129-130]
A
viagem prosseguiu, sob os auspícios da filha de Titan e da Terra, com os
quatro amigos contemplando a beleza da paisagem que, «a uma légua de Braga»,
ladeava a estrada. Camilo descreve-a, romanticamente, mas onde não falta um
sentimento ecológico:
D'ahi em
diante, não conheço em Portugal nada mais bello! Que luxo de arborisação! que
verde tão gracioso o dos campos marginaes! que borbulhar de aguas tão claras, e
que balsamica fresquidão a daquelle ar! O sol lustrava os cabeços dos montes,
coava-se nas copas da quebrada, mosqueava o chão, e prateava os bagos do
orvalho! Bello, meu Deus! é bello o que fazeis, se o homem não ousa mutilar as
vossas obras, a titulo de aperfeiçoal-as!
Altos iam os
nossos espiritos imbebidos em meditações silenciosas, que não se escrevem.
Desta altura cahimos, quando cincoenta badalos, como em vasta officina de
caldeireiro, nos annunciaram que estavamos em Braga!
Olhei... vi
quatro homens de capote a correr para a primeira missa: era Braga
effectivamente!
[Id.: 130]
[Continua]
NB – Foi respeitada, nas
citações, a grafia da edição consultada.
LEITURAS
BRANCO, C. C., 18582:
«Do Porto a Braga», em Duas Horas de Leitura. Porto: Cruz Coutinho.
RODRIGUES, D. F., 2014: «Camilo
& e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582)
[I], AQUI
-----------, 2014a: «Camilo
& e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582)
[II], AQUI.
-----------, 2014b: «Camilo
& e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582)
[III], AQUI.
-----------, 2014d: «Camilo
& e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582)
[V], AQUI.
-----------, 2014e: «Camilo &
e os irmãos Barbosa e Silva, em Duas Horas de Leitura (18582)
[VI], AQUI.
[Fragmento da capa do
livro, 4.ª ed., 1903]
Continuo a ler "Duas horas de leitura" pela sua pena, caro David.Obrigada.
ResponderEliminarObrigado, Prof.ª Luísa. Então ainda vai ler muita coisa, porque o nosso querido Camilo tratou sempre muito bem os seus amigos de Viana. Afetuoso abraço.
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