006. Camilo faz hoje 189 anos.
A
16 de março de 1825, nascia, em Lisboa, em prédio situado na Rua da Rosa
(Bairro Alto), um indivíduo do sexo masculino que, segundo o respetivo assento
de batismo (14 de abril), celebrado na Igreja dos Mártires (Chiado), era «filho
natural» de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, solteiro, e de «mãe
incógnita». Este Manuel Joaquim, irmão do célebre Simão Botelho do Amor de Perdição, era de assumida
ascendência nobre, da então conhecida família «Brocas» de Vila Real.
Faz,
hoje, por isso, 189 anos que esse menino, pela sua extraordinária vida-e-obra
ou obra-e-vida se tornou e para sempre ficará como uma das figuras mais
importantes e controversas da literatura em português criada. A tal ponto e de
tal modo que, desde meados do séc. XIX, é conhecido pelo primeiro nome –
CAMILO. E
Três sílabas. Tanto basta para nomear o
mais popular e mais português dos nossos criadores modernos. [Lourenço, 1994: 219]
Camilo
ficou totalmente órfão em 1835, com a morte do pai, em 22-XII. A ignorada sua
mãe havia falecido já em 1827. O conselho de família, então constituído em
Lisboa, decidiu entregar o menino e sua irmã Carolina, mais velha quatro anos,
aos cuidados de uma tia paterna, Rita Emília, residente em Vila Real. Acompanha
as duas crianças a última regente da
casa e incógnita madrasta dos filhos de Manuel Joaquim.
Na
sequência desta decisão, cujos pormenores não caberá agora referir, o menino
Camilo (tinha perto de onze anos) atravessou, pela primeira vez, o Alto Minho,
em 1836. A viagem de Lisboa fez-se por mar. O destino era o Porto. Uma
tempestade, porém, levou ao desembarque dos passageiros em Vigo. Daqui,
seguiram, por terra, para Vila Real. O Escritor recordará, mais tarde, as impressões indeléveis que estes acontecimentos lhe deixaram no espírito.
Camilo
refere-se, em vários títulos da sua vastíssima obra, a este marcante
acontecimento da sua vida. Marcante não só pela tormentosa viagem, mas também
por ter ocorrido poucos meses após a morte do pai, a cuja agonia assistira e cujas
últimas palavras recordará:
"Que será de ti, meu filho, sem ninguém que te ame!..." [Branco, 1864: 15][i]
É
precisamente No Bom Jesus do Monte
que o Escritor, no capítulo «1835-II»[ii],
descreve a referida viagem, depois de ter relatado, em I, a morte do pai [id.: 13-15]. Dedicado ao arqueólogo
vimaranense Francisco Martins Sarmento, outro dos seus grandes amigos, No Bom
Jesus do Monte, recorde-se, é um conjunto de narrativas, centradas nos anos
em que Camilo mais íntima e profundamente se sentiu atado à estância bracarense. No
frontispício da coletânea, autocitando-se, transcreve do «Discurso Preliminar»
de Memórias do Cárcere, a passagem seguinte,
significativa ao nível dos afetos que, desde muito cedo, prendiam o Escritor ao
Bom Jesus:
Áquellas florestas sinto eu atado ainda o coração por mui
tragadoras lembranças. Em diversas estações da minha vida lá fui a conversar
com o passado que ahi me florira, ou a inflorar esperanças que reverdeceram no
pó d’outras que se desfizeram. [Branco,
1864: frostispício][iii]
Eis,
agora, o trecho em que, No Bom Jesus do
Monte, Camilo recorda a parte final da viagem marítima e, por terra, de
Vigo a Braga, a caminho de Vila Real:
[Branco,
1864: 16-18]
No
templo do Bom Jesus, acompanhando a irmã e a ama, sentiu o menino Camilo, órfão
de onze anos, sentimentos estranhos. Mas essa confissão ficará para outro post. Como para outros posts ficarão outras passagens de outras
obras em que o Escritor se refere à mesma viagem e/ou aos sentimentos que o ataram ao éden de Braga.
O Romancista nomeia Valença e Ponte
de Lima, mas não recorda nem regista qualquer peripécia que tivesse ocorrido,
durante a célebre viagem, no distrito de Viana. Nem descreve caminhos e
paisagens do Alto Minho por onde terá passado. Mas José Rosa de Araújo,
calcorreador e perscrutador dos velhos caminhos da região, imagina, em artigo publicado
nos Cadernos Vianenses, como terá
sido essa «primeira viagem de Camilo». Remeto o interessado para o sítio, na edição do tomo respetivo,
também já disponível online, em
Araújo, 1984. O meu estimado leitor não há de querer que lhe faça a papinha
toda, pois não?!...
Leituras
ARAÚJO,
José Rosa de, 1984: «A primeira viagem de Camilo». Em Cadernos Vianenses (Tomo VIII). Viana do Castelo: Câmara Municipal
de Viana do Castelo; pp. 49-56. Também AQUI.
BRANCO,
Camilo Castelo, 1864: No Bom Jesus do
Monte. Porto: Viúva Moré, Editora.
-----------,
18642: Memórias do Cárcere
(tomo I). Porto: Viúva Moré, Editora.
CLÁUDIO,
Mário, 20072: Camilo Broca.
Lisboa: Dom Quixote.
LOURENÇO,
Eduardo, 1994: «Situação de Camilo». Em O Canto do Signo. Existência e
Literatura (1957-1993). Lisboa: Presença; pp. 219-226.
[i] Para um relato romanceado da infância de Camilo, seja-me permitido recomendar a leitura de Camilo Broca, de Mário Cláudio [2006, 20072]. Existe também edição em e-book.
[ii]
Cabe observar que, não obstante o título do capítulo e afirmação de Camilo, no final do excerto, a viagem se realizou em
1836 e não em 1835. Sabe-se como Camilo confundia datas e outras «bagatelas».
[iii] Curiosamente, a parte final desta citação não é totalmente coincidente com que encontra na segunda edição de Memórias do Cárcere. Aqui está: «… esperanças que reverdejavam do pó d’outras desfeitas». [Cf. Branco 18642 (I): XLVIII]
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