003. VIANA EM CAMILO [02]
[Cenas da Foz (1857)]
Camilo refere também Viana e as festas da Senhora d’Agonia em Cenas da Foz. Foi
no jornal A Aurora do Lima, em folhetins (do n.º 132 ao n.º 221, entre novembro
de 1856 e junho de 1857), que inicialmente chegou aos leitores este romance. Melhor,
as duas novelas – «Sorte em Preto» e «Dinheiro» – que compõem o livro, cuja
primeira edição (1857) pertenceu também à «Typographia da Aurora do Lima», isto
é, aos proprietários do jornal, ou seja, aos Barbosa e Silva e seus
correligionários progressistas.
Cenas
da Foz apareceu, no jornal e no livro, assinado por João Júnior,
um dos vários pseudónimos utilizados pelo Escritor. Vale a pena (re)ver o
irónico «frontispício» do livro. Camilo aparece como editor e, nesta fictícia
qualidade, assina um breve «Juizo Critico». Nas edições posteriores, este
divertido texto encontra-se no início do livro. Na 1.ª edição (1857: 299)
encontra-se no fim.
Tive já
oportunidade de reproduzir - AQUI -
o «folhetim» que João Júnior/Camilo fez sair n’A Aurora, a propósito da publicação
destas Cenas. Por isso, remeto o
leitor interessado para tal sítio.
Embora não dispense a leitura integral da obra, apresento, de seguida,
breve contextualizção do fragmento onde se encontram as referências a esta
cidade e às suas festas.
João Júnior, narrador participante, dialoga com Bento de Castro da Gama,
de Refojos de Basto, que o visita em S. João da Foz. Júnior fornece ao «amigo
provinciano» indicações de como chegar ao relacionamento com uma abastada
família de Amarante, «a banhos» naquela localidade. Esta família era
constituída por Pantaleão e Amália (cujos respetivos sobrenomes aqui se omitem
para não sobrecarregar ainda mais este post),
pais de Hermenigilda Clara, menina cheia de predicados e atributos físicos.
Além disso, acompanhavam esta família uma comitiva de servos, a condizer com o
seu abastado [?] estatuto económico e social. Júnior sugere Hermenigilda a
Bento, como a tal «mulher rica» que este, viciado em jogos, prazeres e
boa-vida, procura para casamento, com o intuito confesso de passar o resto da
vida sem preocupações nem sobressaltos.
Ora cá está o dito fragmento da conversa. Começa Júnior:
“Teu futuro sogro, meu amigo, segundo me disse a creada dos calcanhares
gretados, come o seu caldo requentado ás sete horas, arrota até ás oito,
deita-se ás oito e um quarto, adormece ás oito e meia, e ás nove é uma massa
bruta, inerte, inamovivel. Bom é que vás sabendo o programa do teu futuro em
casa do fidalgo d’Amarante. Ás oito horas has-de estar no thalamo conjugal com
o barrete de retroz por cima das orelhas, e ás nove has-de ressonar o mais
estupidamente possivel, fazendo um dueto com tua mulher.
- Estás enganado! - replicou elle - Se eu cazasse com
ella, pensas que me ia degradar na Amarante? Isso sim! Eu quero viajar á custa
de minha mulher, e dar-lhe-hei a honra de me acompanhar. Que póde viver a mãe
de Hermenigilda? Dous ou tres annos, quando muito. Logo que ella se resgate da
gotta, está a filha de posse d’uma excellente casa. A do pai ella virá quando
vier, e virá sempre a tempo de me dourar as cadeias. Queres tu viajar comnosco?
“Oh! pois não hei-de querer!? Havemos de ir a
Vallongo, dia de Santo Antonio, e quando reunires ambas as casas de modo que
possas cortar por largo, iremos a Vianna,
á Senhora da Agonia! Que bello futuro!
- És um pateta!- redarguiu lisongeiramente o meu
amigo. - Não se póde fallar serio comtigo! [Júnior, 1857: 38-9. Destaques meus.]
Será necessário explicitar a forte ironia que João Júnior põe nas suas
intervenções? Obviamente que não. Mas devo avisar que, se o leitor quiser
apanhar e/ou repetir uma valente barrigada de riso – passe o plebeísmo – leia
estas Cenas, que o humor continua nos
episódios seguintes, sem interrupções. De facto, este romance é,
dramaturgicamente falando, uma verdadeira farsa.
Nota
Este post é,
em versão reduzida e simplificda, ao nível de texto e imagens, parte do artigo
que, com o título de «Viana & Camilo - Presenças e situações»,
publiquei na revista A Falar de Viana [cf. Rodrigues, 2013].
As alterações introduzidas resultam, por um lado, da adequação do texto ao
formato desta edição e, por outro, às leituras que da camiliana ativa e passiva
venho fazendo. Além disso, as partes não reproduzidas encontram-se já abordadas
em posts referidos em Abertura.
Leituras
(Agradeço à Biblioteca Municipal de Viana do Castelo as
facilidades concedidas na consulta de algumas edições de obras de Camilo.)
BRANCO,
Camillo Castello, 1857: Scenas da Foz.
Vianna: Typographia da Aurora do Lima.
Folhetins
de Camilo Castelo Branco (1.ª e 2.ª série), 1911. Viana do Castelo: Empresa
de A Aurora do Lima (Tipografia
Comercial).
JÚNIOR,
João. Ver BRANCO, 1857.
RODRIGUES, David
F., 2013: «Viana & Camilo – Presenças e situações». Em A Falar de
Viana (Vol. II, 2.ª Série), 2013. Viana do Castelo: Vianafestas; pp. 205-213.
-----------, 2014: «Viana & Camilo – cadeia de
relações», em http://vianacamilo.blogspot.pt/
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