domingo, 28 de setembro de 2014

013. Camilo & Frei Bartolomeu dos Mártires
          em O Senhor do Paço de Ninães (1867)

          Depois de ter apresentado as referências explícitas que, em Doze Casamentos Felizes (1861), Camilo faz a frei Bartolomeu dos Mártires (ver aqui e aqui), apresento neste post as que o Escritor faz ao arcebispo bracarense e ilustre figura religiosa, cultural e social de Viana do Castelo, então vila de Viana da Foz do Lima, no romance O Senhor do Paço de Ninães (1867).
             A primeira referência explícita ao célebre arcebispo, neste romance, encontra-se no seguinte fragmento:

[Branco, 19195: 26-27]

            Com a nota, Camilo cita a descrição que, do «tronco da árvore», fizera frei Luís de Sousa [1984:77]:


            O romancista já antes, no início do cap. III do romance, se referira a esta grandiosa árvore que, baseando-se de novo em Sousa, era «um façanhoso carvalho, cuja corpulencia anda celebrada nas chronicas e corografias». {O Escritor remete, em nota, para A Vida do Arcebispo, liv.º 1.º, cap. XIV, de frei Luiz de Souza e para a Corographia [Portugueza (…)] de [Antonio] Carvalho [da Costa], tomo 1.º, pag. 329.} Consultei a Corografia e, de facto, Carvalho da Costa escreve, a dado passo: «Na Aldea de Rebordello, que antigamente se chamou Reboredo, està a [casa] do Mestre de Campo Manoel Correa de Lacerda, senhor de Fralães, & dentro do pateo tem hum grande carvalho, que o cobre todo, a mais fermosa arvore para o intento de quantas tenho visto.» [Costa, 1706 (tomo I): 329. Em O Senhor da casa de Ninães, Camilo escreve «Roboredo» e «Farelães».]
A segunda referência a frei Bartolomeu dos Mártires, em O Senhor do Paço de Ninães, é, ainda hoje, polémica: abordaa   presunção de falta de patriotismo do arcebispo e senhor de Braga e primaz das Espanhas, aquando das lutas civis que então se travaram, após a morte do cardeal-rei D. Henrique. Os portugueses dividiram-se em dois grupos antagónicos. De um lado, estavam os adeptos de D. António, prior do Crato, «rei do povo» [Branco, 19195: 127]. Do outro, os que se lhe opunham (em geral a alta nobreza e alto clero), aderindo ao partido (pretensões e interesses) de Filipe II de Espanha. Interesses que, evidentemente, não seriam apenas deste monarca, mas também daqueles que o seguiam e apoiavam. Eis o fragmento:


            Não cabe, neste post, analisar a célebre polémica do patriotismo de frei Bartolomeu dos Mártires. A questão tem sido tratada, discutida e analisada, desde que surgiu, em 1866, entre, sobretudo, dois jornais de Braga: O Partido Liberal, por um lado, e O Bracarense, por outro. Camilo participou ativamente, tomando a posição do primeiro periódico. A polémica rebentou quando Joaquim Alves Mateus, «cónego da Sé de Braga», trata «frei Bartolomeu de “vil traidor da Pátria e falsificador do sufrágio do povo”», na crise nacional de 1580. [Cabral, 1989: 87-88] O povo, o baixo clero e a baixa nobreza, apoiavam e queriam, em geral, D. António, prior do Crato, como rei de Portugal. Ao ser desencadeada por clérigo, é muito provável que a referida polémica servisse também para manifestar as rivalidades e as intrigas dentro da poderosa igreja bracarense. [Sobre esta controversa e polémica questão, ver também Anselmo, 1992; Cabral, 1981: 7-61; Caldas, s/d e s/da; D’Albuquerque, 1895; Gomes, 1990:99-15; Junior, s/d; Machado, 1932:131-132; Sousa, 1984: cap. XIII e XIV, Livro IV; pp. 496-505.]

Hei de, em posts futuros, abordar, dentro das minhas possibilidades, esta questão, quando tratar das relações que Camilo travou com José Caldas, historiador vianês que também escreveu, por encomenda do então arcebispo de Braga, D. João Crisóstomo de Amorim Pessoa (franciscano), uma nova biografia de frei Bartolomeu dos Mártires, a qual viria a gerar nova polémica, em que também Camilo participou, em apoio do seu amigo vianês.


        Para ajudar a situar os fragmentos apresentados, convirá resumir O Senhor do Paço de Ninães, novela que tem o centro narrativo na região do Baixo Minho, em particular Famalicão, mas alargando-se também a outras partes do país, da Europa e mesmo do Oriente (Índia e Macau).

     «Rui Gomes de Azevedo, o senhor do Paço de Ninães, tem vinte anos em 1576 e ama uma prima da mesma idade, Leonor {Correia de Lacerda que, “além de nobilíssima, era rica, e sobre rica, formosa” [Branco, 19195: 12]}. O desgosto causado pela traição desta [aos 15 anos haviam-se comprometido a casar aí pelos 20], que vem a casar por conveniência com [outro primo] João Esteves Cogominho {“um compêndio de vícios” [id.: 22]}, leva-o a participar na jornada de Alcácer Quibir (apesar de discordar das conquistas de além-mar), com os primos António e João de Azevedo, aí sendo feito cativo. Resgatado, e recusando a submissão a Castela, Rui dá o seu apoio ao Prior do Carto, seguindo-o até à morte dele. Parte então para o Oriente, onde vive anonimamente como mercador, primeiro, e como ermitão, depois. De regresso ao Minho, em fins de 1622, como romeiro anónimo, inteira-se da infelicidade de Leonor, há anos entrevada e enlouquecida pelo remoroso de havê-lo traído; visita-a então e perdoa-lhe, revelando-lhe que nunca deixara de a amar. Morre em 1623, no Mosteiro de Landim.» {R[ocheta], 2002: 561. Adaptado]}

O enredo desta novela é muito mais complexo do que este breve resume mostra. As relações afetivas entre os amantes, fiéis e/ou infiéis, andam estreitamente ligadas aos conturbados tempos políticos em que decorrem. Não há como (re)ler a romance para se saber como Camilo romanescamente relata e entrelaça tudo isto, a nível amoroso, social, político e mesmo familiar. Aliás, vale a pena sempre (re)ler Camilo, na diversidade da sua obra, se quisermos conhecer, não só romanescamente, como a uma primeira leitura poderá parecer, a história portuguesa do século XIX, a nível antropológico, político e social.


Leituras 


AA.VV., 2014: D. Frei Bartolomeu dos Mártires (Colectânea de Textos). Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo. (Org. de Rui A. Faria Viana).
ANSELMO, A., 1992: Entre Gigantes – Camilo, José Caldas e Frei Bartolomeu dos Mártires. Viana do Castelo: Centro de Estudos Regionais.
BRANCO, C. C., 1861: Doze Casamentos Felizes. Porto: Tipografia da Revista.
------------------, 1919: O Senhor da Casa de Ninães (5.ª ed.). Lisboa: Parceria A. M. Pereira.
CABRAL, A., 1981: Polémicas de Camilo Castelo Branco (Vol. V). Lisboa: Horizonte.
----------------, 1989: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
CALDAS, J., s/d: D. Frei Bartolomeu dos Mártires. Coimbra: Coimbra Editora.
----------------, s/da: Vinte Cartas de Camilo Castelo Branco (1876-1885). Porto: Companhia Portuguesa Editora.
COSTA, A. C. da, 1706: Corografia Portugueza e Descripçam Topografica do Famosos Reyno de Portugal […] (Tomo 1.º). Lisboa: Valentim da Costa Deslandes.
D’ALBUQUERQUE, M., 1895: D. FR. Bartholomeu dos Martyres e a Usurpação dos Filippes com as Cartas de Camillo Castello Branco. Braga: Livraria Central.
FERRAZ, M. de L. A. (org.), 2002: Dicionário de Personagens da Novela Camiliana. Lisboa: Caminho.
GOMES, P., 1990: «A Grande Refrega sobre o Patriotismo de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires (Textos de Camilo e de José Caldas)». Em, 1990: IV Centenário da Morte de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires (Actas do Colóquio Comemorativo). Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses; pp. 99-153.
JUNIOR, J. C. A. M., s/d: Cartas Notaveis de Camillo Castello Branco: O Patriotismo de Fr. Bartolomeu dos Martyres / O Castello de Lanhoso / O Mosteiro de Tibães. Prto: Livraria Universal.
MACHADO,J., 1932: «Uma carta de D. Frei Bartolomeu dos Mártires a El-Rei D. Filipe II». Anuário do Distrito de Viana-do-Castelo (vol. I). Viana-do-Castelo: Emp[resa]Gráf[ica] do «Notícias de Viana», pp. 131.132.
R[OCHETA], M. I., 2002: «(O) Senhor do Paço de Ninães». Em FERRAZ, 2002: 561-565.
SOUSA, Frei Luís de, 1984: A Vida de D. Frei Bertolameu dos Mártires (...). Lisboa: IN-CM.

NB – Respeitou-se, nas citações, a grafia das edições consultadas. Fotografias colhidas na internete.


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